Era a primeira vez que eu ouvia a palavra “migração”. Naquela tarde estranha, poucos dias antes de eu me demitir do meu primeiro estágio, alguém abriu a porta cabisbaixo e se afundou em uma dessas cadeiras de escritório. Respirou fundo, soltou um “vixi” e engatou, baixinho e preocupado, uma conversa técnica demais para uma menina de 18 anos, inexperiente como eu era, entender. Citou que os canais do portal passariam por uma grande reformulação e que, por isso, todo o conteúdo seria migrado em breve para uma nova e revolucionária plataforma.
“Revolucionária” plataforma. Pff. Hoje, depois de umas duas ou três migrações nas diferentes redações por onde passei, eu sei que não deveria confiar tanto assim em engenheiro de TI. Ainda mais para produzir plataforma para jornalista sedento por praticidade. É que depois de bug atrás de bug nos meus quase 10 anos de carreira, engenheiros viraram as últimas pessoas no mundo em quem eu acredito. Hoje, eu sei que os meus amigos de redação do primeiro estágio tinham toda razão em ficar de cabelos em pé. E no dia em que eu conheci o Raiden, eu estava de cabelos em pé.
– “Moça, como chega na Barra Funda daqui?”, um garoto alto e moreno me cutucou, pedindo informação.
Eu estava tão de cabelos em pé que mal conseguia sincronizar meus pensamentos com as reações e os movimentos do meu corpo. Depois de dias focada em uma migração que ocupou cada milímetro do meu cérebro, eu só conseguia pensar em chegar em casa, me enfiar debaixo do meu edredom de cama queen (sou muito friorenta, por isso comprei um edredom maior que a minha cama para me enrolar pelo menos umas 3 vezes) e hibernar até o próximo dia de trabalho.
– “É só descer na Estação República”, eu disse.
Raiden agradeceu fervorosamente a informação e, logo em seguida, soltou uma gargalhada que todo o trem da Linha Amarela, em que eu estava para ir para casa, ouviu. Vi seu olhar confuso e percebi que o Raiden, que tem o mesmo nome de um personagem do jogo Mortal Kombat, não entendeu nada da minha explicação. Continuei:
– “Juro que é fácil! É só descer lá que você já vai ver a placa para a Linha Vermelha e também para a Barra Funda”, eu disse. “Você não é daqui, né?”, brinquei em seguida.
O garoto aparentava ter, no máximo, 20 anos de idade. Vestia calça jeans e, apesar do frio, apenas uma camisa de manga comprida verde com touca. Ainda tinha muitas espinhas no rosto – coisa de jovem adulto – e era carregado de uma energia que eu, faz tempo, não via numa pessoa.
Era quase 19h. Raiden disse que encontraria alguns amigos na catraca da Barra Funda para iriam ao parque Água Branca e que, depois, iriam beber em algum lugar por ali.
– “Meu negócio não é balada, não! Não pago para entrar em nenhum lugar. Eu curto ficar na rua mesmo, conversando, rindo”, ele disse.
O garoto, que era de Campo Limpo e estava desde às 16h30 a caminho do rolê (já tinha pego ônibus, trem e metrô só até me encontrar), contava animado que sentia falta dos amigos “da faculdade”. E a sinceridade e a amorosidade que ele passava quando falava dessas pessoas eram surreais. Eu não encontrava isso desde que conheci o Gabriel, aquele caixa do McDonalds.
– “Ah! Eles são seus amigos da faculdade! O que você estuda?”, eu perguntei, curiosa. Tinha certeza que ele diria que estudava alguma profissão que lidasse com o público. O Raiden era, afinal, um rapaz extremamente comunicativo e carismático.
– “Pera, não expliquei direito”, parou e riu. “Eles estão na faculdade, eu não”, disse, gargalhando. “Todos entraram para estudar e agora estão meio sumidos por causa da correria. Faz tempo que a gente não se vê”, ele disse, lamentando pela distância e, também, por ainda não ter condições de ter uma experiência parecida com a dos amigos.
Raiden contou que mora com os pais numa casa afastada do centro de São Paulo e sempre sofre para chegar nos compromissos “por aqui”. Também me disse qual era a origem de seu nome tão “diferente”:
– “Eu sou metade coreano, metade afro”, disse, orgulhoso de suas raízes. “Meu avô era coreano e casou com uma afro. Foi esperto, né? Daí os nomes de todo mundo ficaram meio asiáticos”, riu.
Contei para ele que na minha família, tão cheia de pessoas de culturas diferentes, tinha até índio – e ele se identificou. Na dele também tinha. Contei para ele, em seguida, que ele era muito parecido comigo, já que eu também morei anos em um lugar muito longe de tudo. Nessa hora, ele cogitou me abraçar, mas deve ter achado que seria muito invasivo.
Minha estação chegou e, antes de descer, eu fiquei doida para pedir o Facebook do Raiden. Ao invés disso, desejei um rolê incrível para ele e para os amigos.
Nos despedimos com um super toque de mãos de brothers, aquele que você arrasta as palmas e depois fecha a mão e dá um toque com todos os dedos.
Caminhei até em casa e me senti como se tivesse tomado 1 litro de RedBull. Outra vibe, uma felicidade que não cabia no corpo por ter conhecido Raiden. Ainda no caminho, cheguei à conclusão que ele, com sua energia estranhamente superior ao resto dos seres humanos, devia ter, pelo menos, 1 milhão de amigos espalhados pelo mundo. E que eu queria muito ser um desses amigos.
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Eba! Agora só faltam 900 pessoas! haha
Adorei a mudança do blog! Está ainda mais divertido. Amei seus textos desde quando conheci o 1001 pessoas e sempre vou amar. Acho incrível a forma como se conecta com as pessoas e consegue colocar no “papel” como se sente. Continue trazendo suas experiências pra cá e inspirando a gente <3