Fechei o e-mail, desliguei o computador e, imediatamente, ativei minha mais recente aquisição: uma caixinha com bluetooth que faz o som ecoar pela casa inteira. Ouvi o comecinho de ‘Youth’, do Troye Sivan, e já fiquei numa animação além do normal. Era o fim de semana do meu plantão, o que quase sempre significa que eu preciso acordar às 6:30 da manhã em dias que, normalmente, acordaria às 11h, e chovia muito. Odeio a chuva, tanto quanto odeio o frio – e, quando essas duas coisas acontecem ao mesmo tempo, minha vontade de viver é quase nula.
‘My youth, my youth is yours, trippin’ on skies, sippin’ waterfalls’… Comecei a dançar na frente do espelho e esquecer que aqueles dois dias haviam sido cagados. Eu sabia, bem antes de o fim de semana chegar, que precisaria reverter a situação de alguma maneira e, por isso, marquei com antecedência com um grupo de amigas de nos encontrarmos num bar. Apesar da eminente possibilidade de elas desistirem do programa, eu já havia decidido: iria beber algo na rua de qualquer jeito, mesmo se tivesse que ficar lá, sozinha no boteco.
Calculei o tempo errado e cheguei atrasada (como de costume!), mas o importante é que ninguém havia dado para trás ainda. Sentamos ao lado de um grupo de senhores moderninhos e de um casal com dois cachorros fofos. Depois de fazer carinho nos bichanos, pedimos empadas e uma garrafa de Original.
O papo principal do dia girava em torno de uma amiga que, recentemente, terminou um romance de oito anos. Apesar de, imagino, ser dolorido para ela, também aparentava ser um alívio. Acho que não conheço mais ninguém da nossa faixa etária que namorou por tanto tempo com uma mesma pessoa como ela.
A conversa me aliviava. Ultimamente, tenho estado mergulhada em coisas demais: um curso de escrita que tem páginas infinitas e uma avalanche de temas políticos pelos quais nunca tive muito interesse, mas que resolvi me dar a chance de aprender.
Vi a Daniela de longe, mas ainda nem sabia seu nome. Sorridente, falante e agitada, ela se apresentava como ‘Nega‘. Arrastava um desses carrinhos de suporte com rodas. Levava uma caixa de isopor média nele. Depois de passar por três ou quatro mesas, chegou na nossa:
– ‘Desculpa incomodar, mas a nega precisa se apresentar’ – disse, rimando as palavras.
Não consigo lembrar de toda a rima, mas sei que achei muito legal. Nega, como era conhecida, vendia cones de chocolate nas ruas para sustentar a filha de 5 anos que, segundo ela, era uma garotinha terrível (havia, aos dois anos, destruído um celular da mãe jogando-o dentro de uma máquina de lavar).
– ‘São 3 por R$ 10. Tenho chocolate com doce de leite, chocolate com morango e chocolate puro’ – ofereceu.
Fez outra rima que falava sobre como a compra a ajudaria nas contas finais do mês e pediu desculpas por não ter maquininha para passar cartão de débito. A mesma amiga do término tirou dinheiro da bolsa e comprou alguns cones.
Perguntei para a Nega qual era seu nome – e ela contou que era Daniela. Parecia muito mais à vontade, porém, ao ser tratada de Nega. Elogiei suas rimas e, encantada, disse que queria ouvir mais.
– ‘Eu faço tudo em ritmo de funk, apesar se eu não gostar muito. Tem muita letra que eu faço, mas deixo pra lá porque ainda não consegui completar.’ – justificou-se.
– ‘Poxa, mas mostra aí mais uma pra gente. Vamos aqui fazer o ritmo de funk pra você e você rima, beleza, Nega?’ – comecei a fazer o tchu tcha tcha tchu tchu tcha e ela, sorrindo e se divertindo, foi entrando no clima.
Antes de começar a cantar, porém, Daniela avisou que não gosta nenhum pouco de funk ostentação e funk baixaria. Continuei a encorajando a mostrar seu talento. Ela pensou um pouco, disse que cantaria algo que tinha a ver com a vida e que era desse tipo de música ‘real’ que ela gostava. Retornei o tchu tcha tcha tchu tchu tcha e ela começou.
Ouvi a letra da Nega com atenção: ela dizia que havia perdido toda a família numa tragédia e ficado sozinha. Que havia, também, perdido a esperança de as coisas darem certo – e que várias vezes pensou em coisas ruins. Em meio a rima pesada e a bad vibe inevitável, deu aquela revertida. Cantou que o que a salvara havia sido uma amiga, que a trouxe pra perto, confiou em sua força de vontade e prometeu que tudo ia ficar bem.
Ao fim da letra, eu me segurava para não desabar. A rima era emocionante demais. Mais uma vez, eu dava de cara com alguém incrível.
Bati palmas pra Nega e perguntei se ela não pensava em seguir carreira.
Daniela contou que, um dia, enquanto trabalhava no Largo da Batata, em Pinheiros, aqui em São Paulo, deu de cara com o videomaker da cantora Ludmilla. Ele também se impressionou e, segundo ela, disse que mostraria as suas rimas para ela. Pegou o telefone da Nega e ficou de retornar com novidades. A Nega ficou bastante feliz, mas nada aconteceu. O videomaker nunca ligou.
A gente já conversava há uns 15 minutos. Nega voltou a dizer que, pra ela, não importava cantar baixaria. Ela queria cantar realidade. Perguuntou se eu conhecia um grupo vhamado SNJ – e eu disse que não. Nega disse que eu PRECISAVA ouvir uma música desse grupo, chamada ‘Pensamentos’. Ela tentou lembrar o rap todo, mas não conseguiu. Cantou só um trechinho. Disse pra eu procurar assim que chegasse em casa. Eu procurei:
Obrigada por existir, Nega. Eu também acredito em você. Continue forte.
Google+
Querida fiquei super feliz que você voltou, amo teus relatos <3 Bjs