Enchi a mão de pipoca amanteigada, abri a boca o mais largo que consegui e botei tudo lá dentro de uma só vez. Deixei passar alguns minutos e, quando não vi sinais de uma possível catástrofe, repeti a ação. Uma. Duas. Três vezes. Até acabar o meu saquinho.
Aquele era um dos vários testes que eu vinha fazendo desde o ‘adeus’ à minha vesícula, há três semanas. Na internet, eu havia lido que comer coisas com manteiga era uma péssima ideia para quem acabara de passar por uma cirurgia de colecistectomia. Mas já fazia mais de 20 dias – eu já tinha passado até nos experimentos ‘chocolate’ e ‘leite’, que também eram péssimas ideias, segundo os médicos da rede mundial de computadores.
Relaxei mais do que o normal enquanto assistia as propagandas antes da sessão. Eu estava morrendo de sono e aquele saco de pipocas também foi um jeito de eu não cochilar. Na maioria das vezes, comer me fazia ficar acordada, mas isso nem sempre funcionava. Na semana anterior, por exemplo, eu havia acordado às 4h da manhã para trabalhar (horário maluco, eu sei!) e decidido dar aquela esticada no cinema após o expediente. O filme escolhido foi ‘Assassinato no Expresso do Oriente’ e tenho certeza que não fui expulsa da sala por muito pouco – depois de muitos minutos de ronquinhos de cansaço.
Era diferente desta vez. Eu estava no cinema para ver a estreia de ‘Extraordinário’, adaptação do livro de R.J. Palacio. Eu havia lido a obra uns dois anos antes – e fiquei extremamente feliz ao saber que a produção para as telonas tinha não só a Julia Roberts, mas também o garotinho de ‘O Quarto de Jack’.
O aviso para desligar o celular já havia acabado e o último trailer estava passando. Foi quando eles entraram e se acomodaram na mesma fileira que eu, mas na coluna ao lado. Eles: um casalzinho de velhinhos fofos.
Ela era uma senhorinha baixinha, com cabelos curtos e bem branquinhos. Ela, que tinha pele rosadinha e os olhos brilhantes. Ela, que usava um cardigã branco por cima de uma blusa da mesma cor. Ele era alto, com um nariz bem grande, olhos claros e a pele branca, porém bronzeada. Parecia descendente de italianos. Eu podia, inclusive, apostar que ele havia feito muito sucesso com as garotas na juventude. Eles dois estavam usando a mesma paleta de cores, com os looks combinando como se estivessem numa propaganda da Zara.
Tentei não ficar olhando muito para os dois, mas a luta foi em vão. Alguma coisa naquele casalzinho era especial – e eu percebi que estava certa logo nas primeiras falas de ‘O Extraordinário’, quando eles gargalharam exageradamente com uma das piadas do pequeno Augie.
Foi assim durante todo o filme. Alguns dos espectadores olharam para trás algumas vezes para saber de onde vinham tantas risadas – e eu fiquei extremamente feliz quando todos eles viravam de volta para frente sorrindo ao detectar que um casal de velhinhos estava se divertindo muito mais do que todos nós.
A cena final começou e terminou em menos de cinco minutos. Os créditos subiram e eu pensei em me recompor antes de sair da sala, já que meu nariz fazendo barulho claramente demonstrava que eu estava chorando. Foi quando o senhorzinho, que já estava de pé, veio bem perto de mim, colocou a mão no meu ombro e perguntou:
– ‘E aí? Gostou do filme?’
Ele mal esperou eu responder:
– ‘Claro que gostou, né? Já tô vendo você chorando. Também choramos. Que filme fofo!’’
Eu respondi que tinha amado. Eles riram e se despediram.
Os encontrei de novo do lado de fora do cinema. O casal estava juntinho rindo muito e se acariciando de maneira fofa e apaixonada. O senhorzinho me perguntou qual era o nome do filme.
– ‘É que a gente entrou na sessão errada’, ele disse, gargalhando na mesma intensidade de quando assistia ‘O Extraordinário’. ‘Na verdade, a gente veio assistir ‘Assassinato no Expresso do Oriente’ e erramos a sala’, riu de novo.
Conversei brevemente com eles, que estavam muito felizes por conta da trapalhada toda.
Eles se despediram de novo e, de mãos dadas, desceram a escada rolante rumo à praça de alimentação.
Eu queria que eles tivessem ficado mais.
Vim para casa sorrindo de orelha a orelha, tentando me recordar das vezes que havia me sentido desse jeito, como se no meu corpo não coubesse mais felicidade. E lembrei.
Uma dessas vezes aconteceu em 2010 e, a outra, em 2013. Na primeira, eu havia passado 7 dias em Los Angeles produzindo o documentário do Robert Pattinson para a CAPRICHO. Minha missão era passar pelos mesmos lugares onde o meu crush pós-adolescência havia passado antes e depois da fama em ‘Crepúsculo’. Depois de gravar tudo com a equipe, era hora de voltar para casa, em Santa Barbara, onde eu morava. Assim que me despedi, meu peito encheu de algo que nem sei descrever. Eu havia conseguido um lugar – todo estropiado, claro – na janela de um desses ônibus Greyhound caindo aos pedaços. Durante toda a viagem, fiquei pensando em como era maravilhoso me sentir livre e dona da própria vida. Aquele sentimento de liberdade me fazia um ser humano mais do que completo – um ser humano grato por estar aqui.
Também aconteceu em 2013, quando eu fui escalada para cobrir o Rock in Rio. No meio da correria, lembrei que o Offspring, banda que marcou a minha adolescência de todas as maneiras possíveis, estava prestes a entrar no palco. Atravessei o evento todo correndo e consegui um lugar há alguns muitos metros de distância, praticamente atrás de todo mundo – e da torre de uma TV, que transmitia tudo. Eu mal conseguia ver o telão. Mas quando começou a introdução de ‘Come Out And Play’ eu já não era a jornalista ‘séria’ que precisava trabalhar. A minha máscara caiu – e que bom que caiu. Ali, eu era uma menina de 15 anos louca, apaixonada, fervorosa, fã com todas as… DUAS letras. Eu não estava mais parada no meu lugar. Eu estava numa rodinha de caras e moças se batendo pra lá e pra cá. E a gente não estava cantando… A gente estava gritando. E a gente se olhava e sorria, gargalhava e só faltava se abraçar. Dava pra ver que aquela era a realização de um sonho não só meu, como de 90% das pessoas que se aglomeravam em frente ao palco. Eu me sentia um copo cheio. Eu me sentia eu mesma, realizada num nível que acho que a gente se sente poucas vezes na vida.
Na estreia de ‘O Extraordinário’ eu me senti infinita por algum motivo que eu ainda não sei explicar – talvez eu tenha esquecido de como é ver gente sorrindo e se divertindo verdadeiramente, sem a necessidade de mostrar pra todo mundo.
Eu queria que o casal de velhinhos tivesse ficado por um só motivo: daria tudo para agradecê-los. No ano mais difícil da minha vida, esses dois estranhos, de quem lembrarei por um bom tempo, me resgataram da escuridão por alguns minutos.
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Estou sentindo um sentimento muito bom depois dessa história. Tive vontade de conhecer esse casal de velhinhos também. Eles parecem muito inspiradores. Adoraria sentar com eles para tomar um café e ouvir suas histórias.
Me veio um arrepio bom enquanto lia. Chorei. Obrigada :)