Quando é que foi a última vez que eu me senti assim? – eu me perguntava enquanto caminhava em direção à fila do quilão na praça de alimentação do shopping, às 16h de um domingo. Com fome? – eu mesma me respondi. Não, feliz e calma, sua tonta – conclui.
Rebobinei os eventos dos últimos dias na minha mente e sorri. Era o meu primeiro fim de semana livre depois de eu pedir demissão do meu trabalho. Em três dias, eu já havia saído para mais rolês do que em o quê? Uns três ou quatro meses, provavelmente. Eu me sentia leve, realizada e confiante em tudo o que estava por vir… Até que cheguei na fila do restaurante mineiro e dei de cara com um senhor magro e alto, que tinha uma expressão enorme de desprezo no rosto.
Desde que desliguei os alarmes – adeus, trabalho! adeus, horários!, adeus, plantões! – eu não me importo em “gastar” tempo. Eu faço tudo, absolutamente tudo, na maior calma do mundo, sem pressa. Dia desses, aliás, eu passei duas horas de uma noite de sábado acompanhando animada um campeonato de UFC que passava na TV. Eu não sei nada sobre as regras, muito menos sobre os lutadores, mas ver aquele estratégia toda para “pegar” o adversário me hipnotizou.
Acostumada a uma vida corrida e estressante, eu também me descobri, em pouquíssimo tempo, quase incapaz de desacelerar até em situações mais simples. Eu tinha dificuldade, por exemplo, até de mastigar comida com calma – me pegava, vez ou outra, engolindo o meu almoço de uma só vez, sem as 20 ou 30 mastigadas por colher recomendadas pelo pessoal da ciência. Então, agora, além de me re-ensinar a demorar muito mais minutos para fazer uma refeição, eu esperava tranquilamente o sinal fechar para que eu atravessasse, não ficava brava com filas e até deixava as pessoas passarem na minha frente.
Lembrei disso tudo quando um senhor, acompanhado de uma mulher loira que parecia sua filha, demorou muito, mas muito mesmo para escolher cada alimento de seu prato, fazendo com que a fila do restaurante ficasse enorme. Pegou o palmito, depois a farofa, depois o bolinho de arroz… Reclamava com muita grosseria de toda a comida exposta no buffet.
Ao se deparar com um frasco de azeite quase vazio, gritou em alto:
“Esse restaurante aqui faliu, é?” – Uma das atendentes veio atendê-lo na mesma hora. Toda sem graça, pediu desculpas e repôs o item. Eu fiquei pensando que eu nunca faria aquilo daquela forma. Constranger uma pessoa por causa de uma garrafa de azeite. Não era mais fácil simplesmente avisá-la que acabou?
O senhor ranzinza e a moça loira não conseguiam se decidir completamente sobre as comidas que consumiriam. Foi quando meu pai avançou, educadamente, lá para a frente do buffet para continuar escolhendo as comidas. Eu fiquei para trás, crente de que eles se resolveriam logo.
“Bota logo um pegador aqui. Eu tive que pegar o kibe com a mão!”, ele voltou a dizer para uma atendente, com um tom de superioridade surreal.
Foquei em continuar paciente. Esse era o meu novo mantra. Esperei que ele pegasse o rondelli para que eu conseguisse pegar o frango grelhado e a batatinha que eu tanto queria comer.
Meu prato estava pronto. Eles continuavam falando mal de tudo e indecisos sobre como completariam seus pratos. Foi aí que meu pai, que já estava no caixa, me chamou. Eu fui, certa de que os dois ainda demorariam séculos escolhendo mais comida. Foi só eu despontar lá na frentão para eles se decidirem. Vieram bem atrás de mim…
“Tem fila aqui não?”
Tem. Fila. Aqui. Não.
Assim… No Ar.
Porra. O homem que demorou mais de 15 minutos tentando escolher entre comidas simples sussurrou “tem fila aqui não” para mim, que fiquei o tempo todo presa atrás dele justamente porque estava respeitando a tal fila. Me irritava a maneira como as pessoas não mais falavam diretamente as coisas umas para as outras, com educação. Me irritava o tom de deboche do cara que estava tratando todo mundo de trás do balcão igual lixo. Mesmo brava, tentei manter a calma. Minha voz saiu mais controlada do que eu imaginei.
“Eu estou com o meu pai, que já está no caixa há um tempo. Vamos pagar juntos”, eu disse.
“Mas não tem fila não?”, ele continuou dizendo.
“O senhor quer passar na frente da fila? Pode passar, eu tô com tempo”, continuei, calma.
“E a fila onde fica?”, o danado continuou.
“A fila está aqui. Já que o senhor quer passar na frente, pode passar”, comecei a perder um pouco a paciência.
“Mas você não respeitou a fila”, ele disse, mais uma vez, me irritando finalmente por completo.
“Por que o senhor não passa na minha frente então?”, eu disse.
“Mas a…”, daí o interrompi. Eu não aguentava mais ficar nesse papo de fila. Eu custava a acreditar que havia ouvido a palavra “fila” mais vezes em 3 minutos do que em toda a minha vida.
“Passa. NA. FRENTE”, falei, com o tom já um pouco alterado.
A moça loira, por algum motivo, resolveu se intrometer: “Você é muito mal educada”.
“Olha, a minha mãe me educou muito bem, viu?”, eu disse.
“Mas não é o que parece”, ela quis zombar.
Não consegui ficar quieta…
“Não é o que parece? Então por que será que eu passei 15 minutos na fila esperando sem reclamar vocês escolherem cada grão de arroz no buffet?”
“Ai, você não tem educação”, ela continuou, repetitiva igual seu criador.
“Olha, tá bom. Se você não vai passar na minha frente logo e se eu não tenho educação, por que continua falando comigo? Não fala mais comigo!”, eu disse, pegando o meu cartão e pagando a comanda.
Saí pensando em como as pessoas estão amargas. Têm dias que parece que essa minha tatuagem de “Kill them with kindness” é só um enfeite mesmo – porque a real vontade é de mandar tomar no cu.
Eu tenho esse mantra dentro da minha mente. Mas, ultimamente (na verdade, não sei desde quando, mas o “ultimamente” pareceu pouco tempo para o fato), as pessoas estão irritando até a minha paciência. Ri quando a sua mandou um “tomar no cu” internamente. Adorei o texto! Parabéns!
Meu deusss, que agonia!! Hahahaha
Sem paciência para o mundo. kkkkk