‘Cansada’ era pouco pra me descrever na manhã daquela quarta de primavera. O que eu estava mesmo era exausta. É, exausta! Sem conseguir pensar direito, levantei cambaleando da cama, escolhi qualquer roupa no armário, dei um ‘tapa’ na minha cara cheia de olheiras e enfiei tudo dentro da minha bolsa para sair – mais uma vez atrasada – para um novo dia de trabalho.
Eu juro: a noite anterior tinha tudo para ter dado certo. Cheguei em casa cedo, brinquei de pega-pega com a Summer (minha gatinha que adora dar patadinhas e mordidinhas nas minhas pernas quando eu fico distraída) e me empanturrei de batatas gostosas e de um cheeseburger delicioso do McDonald’s (alerta de #gordinhasafada). Esse sempre foi o mundo ideal pra mim, afinal. Mas o que era um sonho foi, rapidamente, se transformando numa das piores noites que eu já vivi na vida. Eu descobri, do pior jeito possível, que uma cárie maligna havia se instalado num dos meus dentes e que planejava me destruir em 5, 4, 3, 2, 1… BOOM!
– “AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH, CARALHO! AHHH, FILHA DA PUTAAAA”, eu gritava, enquanto a minha gatinha só observava o escândalo com cara de “humanos, ah, esses humanos!”
Eu nunca tive dor de dente, mas sabia que aquilo que eu sentia só podia ser isso. Passei a noite em claro tentando amenizar as pontadas monstruosas na minha boca. Fiz suco, sopa, chá, tomei água. Escovei os dentes umas 30 vezes, fiz bochecho mais de 10. Nada funcionava. Coloquei gelo, comi gelo. E as horas passavam. Uma, duas, três, quatro, CINCO da manhã. Eu tinha que ‘acordar’ às 8 e, apesar de muito chateada, só conseguia agradecer a Deus por, coincidentemente, ter marcaro dentista para o dia seguinte. É que eu ainda tenho um dente de leite (vai, ri!) e estou no processo pra fazer um implante (é que não tem um dente embaixo dele pra substituir). E a consulta seria para analisar tudo isso.
Entrei na sala do Dr. Guilherme depois de reclamar muito de dor para a Dra. Patrícia e para a assistente sorridente dela. Foram elas, aliás, que me conseguiram uma cirurgia urgente depois de perceberem que eu realmente estava sendo destruída e que provavelmente arrancaria minha cabeça fora se aquilo não terminasse logo.
– “Então você é a Aline? Vamos ter que tirar essa coisa daí do seu dente”, ele, o Guilherme, disse, com uma entonação de voz que eu jurava ser idêntica a de um super-herói.
– “Sou eu sim”, eu disse. “E eu estou morrendo de medo de você”, brinquei, numa tentativa frustrada de me acalmar. Foi só eu sentar na cadeira para me perder em memórias.
Eu sempre tive medo de dentistas. Minha vida toda, fui cuidada pelas mãos do Dr. Celso, o dentista da minha família. Ele era branco, alto, tinha cabelo e barba brancos, rosto angelical, e me viu crescer com dentes saudáveis… Até os meus 17 anos, quando deixei de ir no consultório só para acompanhar o sofrimento do meu irmão, que nasceu com os dentes todos tortos, e passei a ir tentar ajeitar uma cagadinha que tinha rolado nesse meu mesmo dente de leite. É que nessa idade, eu comi um milho de pipoca ‘meio-estourado’ e me assustei quando o dente quebrou no ladinho. A partir daí, o Dr. Celso sempre quis me ver. Arrumou meu dente com uma massinha e disse que seria bom eu colocar aparelho pra dar uma ajeitada na minha mordida. Que fase, amigos! Eu odiava usar aparelho, ainda mais porque eu estava prestes a entrar na faculdade e isso me deixaria mais insegura ainda (nos próximos posts explico sobre a minha timidez nessa época).
– “Já que você falou que tem muito medo de dentista, chamei umas pessoas pra te segurarem caso você pense em sair correndo”, ele me interrompeu, bem-humorado e abrindo a porta para que cinco garotas novinhas entrassem.
Eu ri e soltei um “então são elas que vão me assistir dando escândalo?” Tímidas e introvertidas, as meninas sorriram de ladinho e acompanharam enquanto o doutor tirava seus instrumentos de trabalho de uma maletinha.
– “Aproveitando que você está com medo, vou colocar uma música bem pesada pra gente ouvir enquanto faço o trabalho, tá?”, ele disse, tirando um player do bolso.
Coloquei um óculos especial no rosto, para que a água da cadeira não caísse no meu rosto, e esperei o som subir. E aí veio a surpresa. Era Eric Clapton, grande ícone do blues mundial.
– “Eita, tá muito parecido com Jamie Cullum esse cd aí”, eu disse, vendo o olhar de surpresa do doutor. É que as meninas estagiárias que acompanharam a minha cirurgia não pareciam saber da importância desses dois (Eric e Jamie) para a música.
– “Olha, você conhece! Pensei que ia fazer você sofrer porque quando alguém não gosta da minha música, eu a obrigo a ouvir mesmo assim no meu consultório. Acho graça em fazer isso”, ele disse, sério, mas debochado.
O doutor passou o tempo todo explicando o procedimento que fazia para suas “pupilas”. Falava milhões de termos específicos, fazia perguntas como se aquilo fosse uma prova final e as aplaudia toda vez que a resposta vinha corretamente.
Passei uma hora na cirurgia. Ouvi “Layla”, “Change The World” e “My Father’s Eyes”. Quando levantei da cadeira, depois de uma anestesia pesada, só consegui sorrir de leve com as brincadeiras do Dr. Guilherme:
– “Viu? Eu sou uma cara muito malvado mesmo, mwahahaha. Aposto que foi mais assustador do que você imaginava”, disse ele, debochado.
Eu mal conseguia falar direito – doido esse lance de não sentir a boca, né? – mas gostaria mesmo é de ter entrado no Youtube naquela hora e ter assistido “aquele” show maravilhoso do Cullum no Natura Nós de 2011 com o meu novo dentista favorito. Quem sabe eu não o faça na próxima consulta?
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