Cheguei em Shrewsbury, no subúrbio de Massachussets, depois de quatro horas de viagem numa van que eu, que não sei nada de carros, confundiria facilmente com um caixote de leite ambulante. Era verão de 2011 em terras americanas, mas mesmo assim, não foi fácil, muito menos confortável, deixar a cama quentinha às 5 da manhã no apê alugado na 47 St., do ladinho da famosa e iluminada Times Square, em Nova York, para ir até a 168 St., em Queens, mais ao norte da cidade e fora da hypada Manhattan, para explorar novos lugares.
Mas, naquela manhã, eu estava de pé cedo por um bom motivo: fazia cinco anos que uma amiga brasileira não via o pai, que imigrara para os Estados Unidos pra tentar uma vida melhor e agora trabalhava em duas lojas, e a minha missão nesse rolê era justamente a de existir sendo o que eu já sou. Eu precisava fazer companhia para eles e eu precisava também ser a pessoa que não deixaria que o silêncio – e talvez o climão – dominasse a situação. E isso sempre foi fácil pra mim. Eu falo mais do que um ser humano normal e, sim, eu faço perguntas demais (às vezes bem pessoais, né, não, Paula?).
O caminho para o ponto de embarque, que durou cerca de 30 ou 40 minutos, me deixou um pouco incomodada. É que a falta de conversa constante me deixa muito sem graça. Mas eu entendi: pela manhã, minha amiga sofre de mau humor. Ela não fala, só faz cara de quem não está gostando demais. Mesmo sabendo dessa condição, eu resolvi soltar o mesmo comentário de sempre, sobre o metrô sujo daquela cidade.
– “Olha que invasão de ratos. Afe, que nojo, ein!“, eu reclamei de levinho.
Eu tenho até medo de dizer isso em voz alta (ou registrar isso num post de blog), mas não, Nova York não é o meu tipo de cidade favorita. Aquele lugar, que eu via como uma espécie de São Paulo, só que cheia de turistas segurando câmeras, me causava uma sensação ruim, uma espécie de ânsia de vômito. A bagunça, os carros, as buzinas intensas, as mulheres correndo de salto alto e os malandros elogiando suas bundas em tudo quanto é canto não me agradavam. Foi durante essa visita à cidade que eu, enfim, me descobri como uma moça praiana. É de areia que eu gosto pra valer, de mar. É de parasailing, de bicicleta, de skate. Gosto de ver o por do sol de um ponto bacana de frente para o mar e gosto de voltar morenaça das férias. E isso é impossível em Nova York. Deve ser por esse motivo que topei sair de lá por uns dias quando fui.
Como adiantei nesse post, eu dividi a van-estilo-caixa-de-leite com mais 14 pessoas – mas nela teoricamente só cabiam 13. Fui espremida no banco do fundão com um coreano de uns 19 anos, que parecia muito assustado comigo, sei lá por qual razão.
– “Só porque eu estou morena alaranjada depois de férias em Miami?”, eu pensei. Eu havia passado 15 dias de férias em South Beach depois de um ano de muito trabalho.
Entrava cidade, saía cidade, e o coreano não relaxou. Ele passou o caminho todo se esquivando de mim e pareceu muito aliviado quando, duas horas depois do começo da viagem, fizemos uma parada em Hartford para comer num McDonald’s minúsculo.
Hartford é a capital de Connecticut e tem 124 mil habitantes. A Wikipedia também me contou que a cidade é a ‘Capital Mundial do Seguro’. E o que eu sentia? Que não estava num lugar tão evoluído assim quanto o Google me contava. Ou talvez que eu não estava numa área muito habitada.
Ao entrarmos no fast-food, um dos únicos estabelecimentos “povoados” daquele lugar, eu dei de cara com um jovem a la borracheiro, a la James Dean. Cabelo bagunçado, olhos claros, camisa toda sujinha e um “Q” especial. Tocava música country desconhecida – depois fui descobrir que era Zac Brown Band – e rock bem das antigas e eu só pensava que, a qualquer momento, aquela cena se transformaria em algo bem mais bizarro. Não era medo não. Era um pressentimento de que, por trás daqueles caixas, saíriam pessoas com seus chapéus de palha e começariam a encenar uma espécie de show. A sensação era de que um High School Musical do interior se formava.
O James Dean de Hartfort era o centro das atenções no local. Falava baixo, de forma sexy. Jogava o cabelo de um jeito que homem normal nenhum faz. Mordia a lateral da boca despretensiosamente, parecia nem ligar para o efeito que causava nas mulheres. E em mim. Eu comecei a viajar ao imaginar como era a vida daquele rapaz naquela cidade e, maluca, cheguei a uma conclusão: eu tinha certeza que, nos bolsos daquele jeans sujos, ele tinha um pocket to Robert Frost, um dos meus autores favoritos. Robert Frost era a cara dele!
O James Dean pediu um Big Mac, único lanche do Mc, além do cheeseburger, que eu como. Sentou num canto com um cara que chamava de ‘tio’ e um garoto de uns 8 anos, todo sardentinho que, vestia macacão e que, só pela cara, eu sabia que era o mais bagunceiro da escola. Eles conversaram um pouco ao comer seus sanduíches e, assim que terminaram as batatas, começaram a se provocar, rindo alto.
Eu estava hipnotizada pelo James Dean, até que, em inglês, ouvi o que ele disse. Ele olhou para a criança e sugeriu:
– “Você acha ela gostosa? Então passe a mão no seu pinto da próxima vez que ela olhar pra você”
Quase vomitei meu picles. Peguei minha coca grande nessa mesma hora e chamei todo mundo pra voltar pra van. Precisei de um ar. Passei o caminho todo até a cidade final pensando em como o mundo está mesmo todo errado – e em como nós, seres humanos, precisamos dar um ‘stop’ assim que a nossa imaginação começa a ser too much.
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