João Pedro Motta, 18, não mudou muito desde que trocou Governador Valadares, em Minas Gerais, por São Paulo, em 2012: ele ainda é alucinado por fast-food, não dispensa um bom milkshake, adora chocolate e passa longe do buffet das saladas. É doido por super-heróis, troca a balada pelo cinema sem pensar duas vezes e ainda não conseguiu se organizar com horários – ele até tenta, mas dormir cedo não é com ele. Parecido com muitos de sua idade, João se destaca por um fato específico: recusou construir uma carreira de sucesso em empresas como Google e Twitter para abrir seu próprio negócio, o Plaay, um aplicativo de stream de música que tem mais de 1 milhão de visualizações mensais.
Filho de um advogado e de uma professora, João viveu uma infância sem abundâncias, em que a regra principal era “andar na linha”. Foi com o pai, que veio do Nordeste sem dinheiro e teve de vender redes para pagar os estudos, que ele aprendeu a sempre dar valor ao que tinha. “Minha família me criou para valorizar tudo. Nunca fui leitinho com pêra. Nunca tive mesada, por exemplo. Estudei a minha vida toda em escola particular e sempre via meus amiguinhos com os melhores brinquedos, mas eu não tinha dessas coisas”, conta.
João era uma criança hiperativa. Desde cedo, tinha sede por fazer coisas, por estar em movimento. Por isso sua mãe resolveu ocupá-lo de todas as maneiras possíveis: o colocou para fazer muay thai, natação, basquete e futebol. Cada dia da semana, um esporte diferente. Assim, ele voltava para casa cansado e pensava apenas em dormir. Para a família, que via no garoto uma energia quase que inesgotável, aquilo era um alívio.
O pequeno João começou a crescer e a se interessar por outras atividades. Aos 8 anos, teve o seu primeiro contato com um computador, na casa da avó, na qual passou grande parte da vida e onde tinha mais regalias do que o normal. “Tentei entrar no site do Cartoon Network, mas não consegui porque o endereço era complexo. Então entrava no Nick, MundoNick.com.br, para ficar jogando”, diz, ao lembrar do passado.
O primeiro computador em casa veio só dois anos depois. Ele tinha 10 anos e quando viu o pai chegando com uma caixa enorme em casa, não conseguiu conter a alegria. Mas o sorrisão se desfez logo, pois a irmã mais velha dominou o desktop. A liberdade para acessar aquele mundo novo só veio aos 12 anos, quando a família comprou uma segunda máquina. A partir daí, João não parou mais. Era o começo da história de João com o eletrônico. E era o fim da vida social dele.
AOS DOZE ANOS, VOCÊ É UM PRODÍGIO
Assim que teve acesso ao novo computador, João decidiu o que queria da vida: “fazer coisas na internet”. Só ainda não sabia o quê nem como. Fuçando aqui e ali, aprendeu sua primeira linguagem em programação – Delphi. Começou copiando e colando código dos outros e descobrindo, aos poucos, o que cada parte daquilo significava. Também descobriu o Orkut e uma infinidade de bugs que aquela rede social do Google tinha.
“O Orkut tinha uma falha que dava para hackear pessoas, outra que possibilitava você criar recados coloridos. Fui uma das primeiras pessoas que fez esse script de cores no scrap e disponibilizei o código na internet. Isso me deu bastante popularidade naquela época”, conta ele.
A separação dos pais, no mesmo ano, foi um baque que o fez ficar recluso – se afastou dos amigos e mergulhou mais ainda no teclado. “Eu via meus amigos na matinê e comecei a perceber que eles estavam indo para uma vibe errada, de fumar cigarro e tal. Não gostava disso, sempre fui o certinho da mamãe. Comecei a ficar mais em casa enquanto eles saiam”, lembra.
Código aqui, código ali, horas e mais horas na frente do computador e, aos 13 anos, criou o site Web Dicas, que virou, mais tarde, parceiro do Olhar Digital e do portal Uol. Na página, João escrevia artigos completos sobre tecnologia, além de divulgar o que criava. Tudo isso sem revelar a idade: “Nessa época, a minha estratégia era não mostrar quem eu era. Nunca mostrava o rosto, nem no Orkut. Só sabiam meu nome. Na foto tinha só o meu sorriso. Fiz isso porque pensava que ninguém ia ter respeito por um garoto dessa idade”.
Aos 14, mais descobertas, dessa vez no Twitter. “Achei um jeito de ter perfil com sidebar transparente, fiz um código para ganhar seguidores e fiz outro para corrigir um erro de acentuação que impedia que os usuários brasileiros se comunicassem”, conta, orgulhoso. Ele tem mais de 84.000 seguidores no Twitter e em seu perfil usa uma foto dele criança, com camisa e gravata.
Com tantas habilidades quando o assunto era Twitter, João chamou atenção. “A Carol, do Twitter, chegou a me convidar para trabalhar com eles. Ela disse que assim que a filial abrisse no Brasil, ela me chamaria. Ela nem sabia que eu era só um moleque”, conta. Foi a jornalista Rosana Hermann que descobriu a idade de João e o convenceu a se “mostrar”. “Ela disse que era legal eu ser o menino prodígio da programação. Que isso me faria bem, que eu teria mais exposição”, conta. Quando revelou sua idade, quase quebrou a web. Era impressionante um garoto daquela idade ser tão profissional em programação.
AOS DEZESSEIS, RECUSA CONVITES. AOS DEZOITO É UM EMPRESÁRIO
Depois que divulgou ter apenas 14 anos, João foi convidado para participar do Teleton, evento promovido pelo SBT para ajudar as crianças da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), em São Paulo. A vida dele nunca mais foi a mesma. Nos bastidores da emissora, conheceu muita gente de agência, que se interessou pelo seu trabalho e começou a pagar pelos seus serviços de programação. Ainda morando com a mãe em Minas, gastava o dinheiro que ganhava apenas “com McDonald’s e tranqueiras”. Guardava todo o resto no banco. “Ganhava mil reais aqui, dois mil ali e fui juntando. A única coisa que comprei de valor alto nesse tempo foi um iMac, porque era uma coisa que eu queria demais”, afirma.
Em 2012, aos 16 anos, João veio para São Paulo para fazer um freela – e não voltou mais. Foi sendo convidado por marcas como o Bradesco, por exemplo, para prestar consultoria, e estendeu tanto sua estada que decidiu ficar de vez: “A decisão de vir morar em São Paulo não foi programada. Eu tinha um trabalho de um mês para fazer aqui. Aluguei um flat, fiquei, aí surgiu outra coisa, e depois outra, e fui ficando. Morei sozinho nesse tempo. Só comia tranqueira fora. Minha mãe vinha vez ou outra para tirar as coisas vencidas da geladeira e arrumar o caos no apê.”
Nesta época, várias empresas, como o Google e grandes agências de publicidade de São Paulo, convidaram João para fazer parte de suas equipes, mas ele recusou todos os convites. “Nunca quis fazer coisas para as pessoas. Sempre tive prazer em fazer coisas pra mim que, mais tarde, poderiam ser usadas por outras pessoas. Por isso recusei todos os convites”, diz. Ele achava que tinha que se vender como o menino prodígio o máximo possível, porque depois ele cresceria e não teria mais um brilho de ser só um garoto criando coisas.
“O Google é legal para quem sonha em construir carreira como programador, mas eu achava que ainda não precisava de uma carreira. Queria fazer meu nome, mostrar que não era só um prodígio. Queria criar projetos como profissão, não passar o dia programando.”
E criou. Em 2012, com o amigo e sócio Anderson Ferminiano, de 20 anos, abriu o Plaay, um serviço de streaming de música que já tem mais de 100 mil usuários. Ele garante que sua empresa é diferente do Spotify, o maior do ramo.
“Não vejo o Spotify como um concorrente. Ele é bem mais classe A e B. Eu quero a classe C e D. Você vê o Spotify chegando ao Nordeste? Quero pessoas fora desse 1% da galera publicitária, designer, jornalista. Quero um serviço grande, quero 20 milhões de usuários. Quero pessoas de verdade, quero a sua mãe ouvindo o Plaay”, diz.
Landing page do aplicativo Plaay: 100 mil usuários e mira nas classes C e D.
Atualmente, a empresa tem sede na Vila Mariana, e ganhou escalada depois de um patrocínio da Pepsi. Agora João tem uma bancada de sócio-investidores e oito pessoas na equipe, entre programadores, designers e especialistas em mobile. Aos 18 anos, ele publica selfies com a namorada, Camila Campos, nas redes sociais como qualquer garoto. Frequenta sempre eventos de tecnologia e negócios, como convidado ou plateia. Num desses, este ano, encontrou Fernando Henrique Cardoso e não resistiu à selfie. João segue a rotina de jovem empreendedor, mas em breve terá de lidar com a decisão de fazer ou não uma graduação superior. Ele tem entrada garantida nas melhores universidades dos Estados Unidos.
“Ainda não recebi um convite oficial, mas posso conseguir a qualquer momento. Meus amigos todos estão lá. Conheço o processo e a chance de ir morar lá fora é grande, só não sei se vou conseguir ainda. Se você tem mais de 19 anos é muito difícil entrar. Mas não quero isso agora. Tavez eu pule a faculdade e faça um MBA direto, lá você tem essa opção”, diz ele. Hoje, João prossegue, se pudesse ele iria para Berkeley e não faria faculdade de tecnologia, como o MIT (Massachusetts Institute of Technology).
“Tecnologia não é mais meu foco. Hoje em dia eu faço negócios. Vendo a minha empresa, vendo o que a gente faz. É disso que eu gosto”
Com um currículo turbinado, o rapaz, que tem milhares de seguidores nas redes sociais (além dos 84 mil no Twitter, mais 60 mil no Facebook), ainda tem um motivo para lamentar: o fato de ele não ter virado um cantor sertanejo de sucesso. “Acho que eu sou uma decepção para a minha família”, brinca. “Quando criança, eu sonhava em ser como o cantor Daniel. Só me vestia de xadrez e de chapéu. Cortava o cabelo igual o dele e já até cantei com a banda em um show. Minha avó acreditava tanto que eu seria um sucesso que até microfones bons ela me dava de presente”, diz.
O Brasil perdeu sim um cantor sertanejo e alguns refrões grudentos, mas ganhou um empreendedor de mente brilhante. Olho nele.
(Leia a matéria original aqui)
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