Fazia muito, mas muito tempo que eu não levava essa coisa de férias a sério. Eu não sei em que momento da minha vida isso aconteceu, mas sim, eu virei uma workaholic. Eu me transformei numa louca do trabalho tão problemática que já cogitei até participar de um desses grupos de apoio em que as pessoas sentam em uma roda e, com voz em tom de revelação, dizem o famoso:
– “Meu nome é fulano, eu sou viciado em _______ (seu vício vai aqui, ok?) e preciso de ajuda”
Eu me perdia na quantidade de horas que passava na redação, me envolvia em projetos que nem a ver comigo tinham, cobria todos os eventos em que pudesse ser credenciada, mesmo se eles fossem à noite ou aos finais de semana, e escrevia, por dia, uma quantidade absurda de matérias.
Eu pegava quinze ou vinte dias off, aproveitava de verdade apenas dois ou três, e logo me metia, sem nem perceber, num desses freelas que te dão a sensação de que a eternidade realmente existe. Hoje eu me considero uma “workaholic em tratamento”. Eu percebi que trabalho nenhum paga, com dinheiro, a sua saúde, a sua felicidade e as suas relações interpessoais. Deve ser por isso que, na minha primeira quinta-feira de férias deste ano, me perdi totalmente no tempo fazendo exatamente nada.
– “Não, não vou resolver nenhum pepino”, eu repetia na minha cabeça. “Não, não vou deixar nenhum problema falar mais alto”, reafirmava.
Também deve ser por essa falta de interesse nas horas passando é que fiquei uma tarde inteira jogando videogame, que deixei de almoçar e que me atrasei para encontrar com uma amiga. O atraso dava para resolver com uma mensagem de texto. Já a fome, gritava feito um elefante sendo espancado dentro da minha barriga. No caminho, no metrô, fiquei com medo de alguém ouvir meu corpo em fúria, então decidi resolver de forma rápida esse problema. Parei num McDonald’s qualquer e pedi um Big Mac com batatas exageradamente grandes. Quando coloquei a primeira na boca, ainda no caixa, eu sabia: aquela era a definição de paraíso.
Sentei num sofá com duas ou três mesas de distância de uma família. Eram pai, mãe e dois garotinhos, um magrinho, mais quietinho, e outro mais hiperativo, todo fofinho e cheio de blusas dessas que as pessoas que gostam de frio usam para esquiar. Eu odeio frio, confesso, mas gostaria de usar uma blusa dessas para descer uma montanha gelada.
Me deliciei com o picles gostosinho do hamburger por um tempo e resolvi mergulhar minhas batatas fritas no ketchup e na mostarda. Uhmmmm… Foi aí que percebi que a família estava se levantando para ir embora.
– “Pega a bandeja aqui”, disse a mãe, loira, alta e com uma calça jeans apertada demais, para os garotos. Nenhum deles pareceu ligar. O mais magrinho levantou e ficou de pé, sem se mover por um tempo, enquanto o irmão fofinho saiu correndo para um desses brinquedos de papelão que trazem propagandas de McLanche Feliz. Sempre achei fofo ver a diferença entre os irmãos. A particularidade de cada pessoa me deixa sempre muito encantada.
Ouvi a voz do garoto mais fofinho, mas não consegui entender direito o que ele dizia. Só percebi que o pai foi pegá-lo do brinquedo nesta hora, contra a vontade da criança. A partir daí, foi tudo muito rápido. O garotinho de blusa de esqui se soltou do pai, olhou para a minha bandeja, saiu correndo em minha direção falando “bataaaata fritaaaa” e pegou três ou quatro da minha caixinha. Feliz, colocou todas na boca ao mesmo tempo, e gritou, de novo, “batataaaa fritaaa”.
Eu sorri grande, mas fui interrompida bruscamente pela voz da mãe, que veio, extremamente chateada, pedir desculpas. Disse, numa voz quase que inaudível:
– “Moça, desculpa. Ele é autista. Ele fez isso porque é autista”
Eu disse que não tinha problema e voltei a sorrir, assim como a comer minhas batatas.
Antes de ir embora, a mãe voltou para a mesa para recolher mais bandejas e, quando saiu pela porta, passou de novo para se desculpar:
– “Ele é autista…”
O pai do garoto também pediu desculpas.
Eu disse, mais uma vez, que não tinha problema, mas a minha vontade era mesmo de dizer para ela, e para ele também, que tudo ficaria bem. Que eles tirariam aquilo de letra. Que eles não precisavam se sentir tão mal e justificar, tantas vezes, o comportamento do garoto dizendo que ele é autista. Toda criança, autista ou não, expressa seus sentimentos e vontades de forma exagerada nessa idade. E “roubar” uma batatinha ou outra da mesa vizinha era só um detalhe. Eu mesma, já crescida e com cabelos brancos (tenho muitos!), morro de vontade de “roubar” um pedacinho do pudim dos outros.
Google+
O mais legal desse blog, é a essencia de cada pessoa, e a maneira como voce lembra quanta gente ja esbarrou em nós nesse mundão e a ficou la mesmo, não ficou nada em nós, e aqui cada uma ganha seu texto, nem que pela menor das atitudes.
E mais legal ainda é ler varios, mas ler um que voce quer muito guardar, esse definitivamente foi o meu.