“Acho que a última vez que coloquei comida na boca foi às 9 da manhã”, eu repetia na minha cabeça enquanto, esfomeada, caminhava em direção ao Habib’s pequenino e cheio de atendentes mal-encaradas da movimentada avenida perto de casa. Fazia exatos 33 graus na rua e, além de me empanturrar de esfirras de carne com limão, eu planejava chegar logo no meu apartamento, tirar minhas alpargatas azul-royal e vestir nada além de uma camiseta larga e de um short podrinho.
Dando passos apressados, passei pela fachada vermelha do restaurante e tentei, de todas as formas possíveis, não focar na fila gigante de pessoas que esperavam seus pedidos.
– “15 de carne, 1 brigadeiro”, gritava a moça no balcão.
– “10 de queijo, 5 de carne e um kibe”, continuava, anunciando cada número a minha frente.
A parte boa é que as entregas aconteciam de forma rápida e, na minha frente, no caixa, só havia duas pessoas: uma moça loira de branco, dessas que a gente não consegue ver nada quando olha nos olhos, e ela, a velhinha fofa que não sabia diferenciar uma pizza de uma esfirra.
A velhinha que não sabia diferenciar uma pizza de uma esfirra passou alguns segundos repetindo o mesmo pedido, sem que ninguém a corrigisse ou, gentilmente, explicasse que aquilo que ela apontava no cardápio era, na verdade, esfirra de carne.
– “Vou querer 3 dessas pizzinhas dessa aqui”, dizia. A atendente, campeã mundial de mau humor, só olhava para ela e repetia, impaciente, que não dava para pedir aquilo. A velhinha, coitada!, nada entendia.
A fome me deixava mais e mais irritada. Eu pensava: “Como é que essa atendente dos infernos não explica de uma vez por todas que essas coisas são esfirras?”
Interrompi, gentilmente, a cena, e disse, para a atendente:
– “Ela quer esfirras de carne? Es-fir-ras-de-car-ne! Né, senhora? São essas daqui mesmo que você quer, né?”, eu questionei. Soltei um sorriso logo em seguida para não parecer brava.
A senhorinha respondeu que sim, sem se importar com a cara de emburrada da atendente. Pagou o pedido, que deu menos que 3 reais, e sentou em um banco para esperar que a sua caixa com “pizzinhas” viesse. Após pagar o meu pedido, sentei ao lado dela. A história que ouvi me deixou, apesar de emocionada, bastante preocupada.
– “Eu não sei nada dessas coisas, nunca comi aqui. Mas isso é o que passa na propaganda, né?”, perguntou, me olhando com os olhos mais redondos do planeta.
A velhinha que confundiu pizza com esfirra perdera o marido há pouco tempo. Me contou que nunca precisou fazer nada em casa. “Meu marido sempre fazia as tarefas de casa, as compras, daí ele adoeceu e eu tive que me acostumar a levar a vida normalmente”, disse. “A vida normalmente?”, eu pensava. Pra mim, a “vida normalmente” é constituída por pessoas diferentes que se aventuram em “primeiras vezes” eternamente, a fim de levar a vida dos sonhos. Pra mim, a “vida normalmente” é amor, companheirismo, amizade e, acima de tudo, independência. Mas devia ser diferente na época da senhorinha que não sabia o que era esfirra.
A velhinha, que vestia casaco vermelho e calça jeans escura, me contou que, apesar de agora morar com o filho na Rua 13 de Maio, em São Paulo, é natural de Piracicaba. Ainda segundo ela, o marido era dono de um restaurante famoso, que tinha 52 funcionários, mas que tudo mudou com a chegada da idade.
– “Agora estou entendendo como funciona esse lugar”, disse, interrompendo o pensamento. “Lá no nosso restaurante era diferente”, completou.
Ainda emburrada, a atendente do Habib’s gritou, num tom pouco educado:
– “3 esfirras de carne”.
A velhinha não se levantou, então eu disse para ela que aquele deveria ser o seu pedido. Ela se locomoveu até o balcão, pegou a caixa e os limões na mão e veio em minha direção:
– “Até mais! Boa sorte, viu?”, ela disse, me abraçando e dando um beijinho terno no rosto.
E, mais uma vez, a inocência de uma senhorinha fez meu dia.
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Eu amo as suas palavras, elas alegram mais ainda meu dia :D <3
Tendo tido uma bisa linda como fator importantíssimo na minha criação, essas histórias sempre me partem o coração. Espero muito honestamente que toda velhinha fofa e meio perdida encontre uma pessoa gentil pelo caminho, e, como consequência, tento ser sempre que possível essa pessoa gentil. Apesar da fome, apesar da pressa, apesar do stress do dia a dia.
Que linda você e a senhora rsrs
Desde que descobri esse cantinho não deixo de ler nadica…
Sua irritação é tão gentil que ajudou essa senhora não apenas com suas esfihas mas com a vontade de conversar, provavelmente ela percebendo ou não, ela deve ter voltado um pouco diferente pra casa, digo diferente no sentido de melhor.
Trabalhei no Mc Donald’s durante um ano, e nos últimos seis meses aprendi a trabalhar tão bem que me deixavam sozinha no caixa, drive-thru e para entregar os pedidos aos clientes e mesmo me virando em mil eu não conseguia destratar um cliente, por mais que aquele estivesse irritado comigo… depois desse ano de experiência eu fico me perguntando o porque de tantas pessoas fazerem tão mal a gente que nem conhecemos e tudo por um simples mal humor. Acho que é porque estamos acostumados a não sermos gentis com estranhos ou “não falar com estranhos” e isso nos torna um pouco rudes e cegos.
Abraços,
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