Tudo deve mesmo ter começado no primário, quando eu vi a tia do meu colégio pendurando no painel do pátio um aviso que dizia que as inscrições para as aulas de Ginástica Olímpica estavam abertas. Eu tinha 8 ou 9 anos e vi, ali, um sonho promissor surgindo.
Aquela era, na verdade, a primeira vez que eu conectava os pontos: eu corria rápido feito um coelho, abria espacates de dar inveja nas minhas amiguinhas do bairro e era a dona das estrelinhas mais perfeitas da aula de Educação Física. Por que, então, não dar uma chance ao esporte? Por que não ser uma (grande) atleta olímpica? Por que não concorrer numa dessas competições em que as pessoas se apresentam de colã? Eu podia – e queria – ter uma daquelas jaquetas de frio do Brasil. Queria usar o cabelinho preso e umas sapatilhas tipo as das bailarinas. Apesar de extremamente tímida, eu queria um público tipo o do Panamericano, que não cessasse o aplauso enquanto eu distribuia piruetas no solo.
Eu me inscrevi nas aulas da professora do qual o nome-eu-nem-me-lembro e continuei me destacando nas acrobacias.
Daí algo muito estranho aconteceu.
Uns 3 ou 4 meses depois de eu, no auge da minha “carreira” como ginasta, me acostumar a ficar até mais tarde na escola para treinar, veio o primeiro grande sinal.
Quando o primeiro acorde de ‘Ô Milla’, do Netinho, soou no pátio – e também local do nosso ensaio -, eu já deveria saber. Aquele era o momento de eu acenar um ‘tchau’ para a tão sonhada medalha de ouro.
Mas eu não reclamei. Eu preferi assistir a minha aula de ginástica se transformar lentamente em uma aula de… Axé. E pior: eu preferi participar de uma apresentação da música para toda a escola. Como se aquilo não fosse o suficiente, também deixei minha sapatilha Moleca escapar do pé e voar no meio da plateia naquele dia.
– “Onde é que eu vou enfiar a minha cara agora?”, eu me questionei, enquanto a minha mãe, morrendo de rir e com a filmadora na mão direita, eternizava um dos momentos mais marcantes (e vergonhosos) da minha infância. Com apenas um pé calçado, continuei a dançar. Essa era uma das principais recomendações da minha “treinadora”: “Não pare de se mover. A não ser que seja caso de vida ou morte”.
Fiquei muito boladona com os eventos desastrosos daqueles dias e, algumas semanas depois, saí da aula de ‘ginástica-olímpica-só-que-não’. Mas eu não desisti do esporte de vez. Eu não deixei de correr, de abrir espacates e de dar estrelinhas. Pelo contrário: eu descobri uma nova paixão, digna de medalha olímpica.
Eu tinha 11 anos quando entrei na natação e, dessa vez – ah, dessa vez! -, eu me imaginava participando das Olimpíadas pra valer. Assim como em terra, eu era muito ágil na água. A piscina era um playground pra mim. Eu acordava cedo aos sábados com gosto, colocava a minha touca na cabeça e, fazia chuva ou fazia sol, me jogava na água. Meu fôlego era tão esplêndido que até meus professores me elogiavam. Eu pouco precisava pegar ar entre uma e outra braçada.
Mas algo estava errado de novo…
Eu já deveria saber que aquilo não era pra mim quando eu tentei, mais de 50 vezes, mais de 100 vezes, mais de 250 vezes, dar a virada olímpica debaixo d’água e não consegui.
Saí da natação ao fim dos meus 12 anos. Minha família estava em crise financeira, os horários das aulas mudaram e eu já não suportava a ideia de nadar na mesma piscina que crianças de 8 anos (engoliar o xixi delas dia sim, dia não era foda, juro!).
Meu 7º ano foi feito numa escola estadual do bairro por onde todos os meus conhecidos já tinham passado. Ali, os alunos precisavam de um só incentivo para não entrar no crime – comunidade carente, sabe como é – e a minha diretora resolveu liberar o pátio para aulas de atletismo e o auditório para aulas de teatro. Quase todo mundo escolheu a aula de teatro. Eu escolhi os dois. Eu queria mesmo é me envolver em toda atividade extra que me fizesse conhecer mais gente.
Confesso que me dediquei muito mais ao atletismo. O problema era: por mais que eu treinasse, meus arremessos de peso eram precários demais. Por mais que eu focasse na corrida, meu joelho começava a fisgar com cada vez mais frequência. Por mais que eu me dedicasse ao salto, o chão da escola não estava preparado para esse tipo de esporte e eu me ralava sempre que caía.
Numa dessas vezes em que gripei e não sarei, fui num pneumologista. Descobri então que tinha bronquiectasia, uma doença no pulmão que me fazia ficar cada vez mais sem fôlego. Tomei comprimidos, corticóides e outras mil combinações de farmácia. Também assoprei tubos enormes durante as minhas consultas. Recebi alta completa uns três anos depois, mas o médico me avisou:
– “Pra amenizar de verdade, você precisa praticar um esporte, de preferência a natação”.
Voltei para as piscinas aos 20. Na primeira aula, não consegui chegar nem na metade da piscina. Fiquei tão chateada que desisti. Eu tinha certeza que aquele era o fim de um sonho. Eu não seria atleta olímpica. Eu estava velha, estava fora de forma, estava preguiçosa e estava sem paciência para novas tentativas no esporte.
Durante os últimos quatro anos, meu único esporte foi meu skate. Levei um tombo traumático nos primeiros meses de aprendizado, mas não desisti, assim como fiz com os outros esportes. Segui em frente. Com preguiça vez ou outra, mas sempre adiante.
Durante as minas férias neste ano, eu resolvi tentar algo novo. Eu me inscrevi numa academia. Aulas de boxe, muai thay, danças, uau, que demais! Eu deveria ter considerado que não ia dar certo. Eu deveria saber disso desde aquele primeiro dia, quando pensei seriamente em desviar do caminho fitness para comer um pastel de carne gordo no mercado.
Eu deveria saber porque eu não sou mais a Aline persistente com esportes que eu era dos 8 aos 17 anos. Eu deveria saber porque eu tinha asma. Eu deveria saber porque a minha alma é de gordinha safada.
Minha consciência está tranquila agora, após eu assumir, de uma vez por todas, que o meu lugar sempre foi mesmo na padaria, tomando um litro e meio de milkshake de morango com flocos.
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“Eu deveria saber porque a minha alma é de gordinha safada.
Minha consciência está tranquila agora, após eu assumir, de uma vez por todas, que o meu lugar sempre foi mesmo na padaria, tomando um litro e meio de milkshake de morango com flocos.”
Hahahahahaha me identifiquei TOTALMENTE, Aline. Quando tinha uns 10,11 anos resolvi fazer ginástica olímpica na escola, certo dia fui de presilha no cabelo e rolando acabei quebrando.. é o que eu lembro, depois não sei onde fui parar, haha. Acho que ter aprendido a nadar, por ter feito natação no clube que a minha mãe trabalhava, foi uma das poucas coisas das quais fiquei realmente feliz por ter conseguido, lembro que pular de ponta era o terrooor, viva dando “barrigada” na água, mas um dia consegui (porque o professor disse que não iria me liberar enquanto eu não conseguisse). Recentemente entrei na academia mas depois de 19 idas (o site me informava isso) eu desisti. Por vários fatores, mas eu deveria saber desde o primeiro momento de que lá não é meu lugar, mas sim na padaria, hahahaha.
Beijos!