Dia desses, à noite, liguei para o Edson. Até achar o cartão de contatos dele no fundinho da minha gaveta, não lembrava que era assim que ele se chamava. O Edson é um taxista muito brother que trabalha nas redondezas de casa. Na maioria das vezes, o encontro assim, por acaso, quando deixo a preguiça falar mais alto e pago alguém para me levar até o parque para andar de skate. Desta vez, porém, o Edson fez um preço divino para me levar num outro lugar… na festa-tipo-confraternização-mas-tipo-não-da-firma.
Entrei no carro e já recebi do Edson o nosso típico cumprimento: uma batidinha de mãos fechadas e um ‘e aí, cara, quanto tempo!’. Cada vez que o encontro, passamos o caminho inteiro conversando como se nos conhecêssemos há séculos. Deve ser por isso que eu já sei toda a história dele. Ele tem 40 e tantos anos, é casado, tem uma filha da minha idade que mora com a avó no centro de São Paulo, e só precisa de mais 15 mil reais para quitar o apartamento, que comprou há 7 anos, perto do Aeroporto de Congonhas. O carro com que ele trabalha não é dele, muito menos o alvará de taxista, mas depois de acabar de pagar a moradia é que ele vai dar mais atenção para isso.
O Edson também sabe um pouco sobre a minha vida. Entende que eu sou jornalista, mas não aquelas tipo Fátima Bernardes; que meu pai também taxista; que minha mãe dá aulas em duas escolas, que eu tené ho um irmão mais velho que mexe com programação. O básico, vai. Nessa corrida, que foi de aproximadamente 20 minutos, o Edson perguntou minha religião. Sem dar muito atenção para a pergunta, respondi apenas que eu ‘não era nada’, mas que acreditava que alguém ‘lá em cima’ era responsável por tudo, principalmente por guardar bem guardadinhos os grandes livros com detalhes apurados da vida e do destino de cada uma das 7 bilhões e tantas pessoas no mundo. Comecei então a contar algumas coisas em que acredito. Matraquei, matraquei… O Edson não me interrompeu em nenhum momento e, quanto terminei, sorriu grande:
– Não sei se já te falaram isso, mas você é intensa pra caralho, cara!
O comentário me pegou de surpresa, já que, naquele dia, nem achava que tinha dito nada de muito diferente para ganhar um ‘elogio’ desses. Mas o Edson continuou, sem malícia nenhuma…
– Estou nisso [de táxi] há alguns anos, pego pessoas diferentes o tempo todo e não conheci alguém com essa luz. Tu é desencanada, cara, mas não deixa de demonstrar interesse em nada. Pô, cara, fico muito impressionado.
É, eu estava a caminho de uma festa, mas quase perdi as estribeiras no carro. Segurei as lágrimas e fiquei pensando em todas as palavras que havia escrito, alguns dias antes, sobre a vida. Isso tudo de tentar achar onde está o erro, mas não encontrar porque talvez ele nem exista e tal. A verdade é que no momento em que ouvi as palavras do Edson, percebi que [TCHANAN!] o erro estava na intensidade.
O erro é usar de intensidade com quem é pela metade, com quem é incompleto e com quem pensa duas vezes antes (até) de dar um sorriso. Sorrisos são sorrisos, porra. Alguns sorrisos podem ser falsos sim, mas são muito mais reações sinceras do que alertas de ‘Ei, você que sorriu sem se explicar! Prepare-se para ser idiota mais uma vez, pra ficar nas mãos dessa garota’.
É… Esse negócio de usar intensidade com quem nunca é 100% é tipo começar a ler um capítulo de um livro do, sei lá, Paul Auster, e não conseguir terminar porque as páginas seguintes estão coladas com superbonder. E só Deus sabe o quanto eu odeio ter que arrumar mil jeitos de descolar páginas sem rasgar (se é que vocês me entendem!).
E é isso! Como diria Raul Seixas, ‘pra que pensar, se eu tenho o que quero, tenho a nega, o meu bolero, a TV e o futebol?’. Pra que, gente?
* Texto escrito em junho de 2012.
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Olha que coisa, meu pai também é taxista e minha mãe trabalha em duas escolas, mais tenho uma irmã que cursa biologia, adoro o blog, bjos :*