“Bom trabalho, Atlanta”, traduziu, em bom tom, o locutor da tevê ao fim daquelas férias escolares.
Eu era muito criança, e deve ser por isso que não me lembro exatamente da cara das pessoas que apareciam na transmissão. Também mal me lembro de sentir frio – e olha que eu sou friorenta, mas era inverno de 96 no Brasil, ano oficial das Olimpíadas em Atlanta, nos Estados Unidos, e o que eu descobri mesmo foi que não, nós não éramos “campeões”.
Descobri nossa infelicidade nos Jogos Olímpicos porque as pessoas da vila não estavam gritando nas janelas, muito menos comemorando com os rostos pintados de verde-amarelo. Não tinha ninguém ao redor dos enormes arcos pintados à tinta no chão da rua, que foram justificados frente ao comitê organizacional da vila como “uma maneira de fazer os moradores entrarem no clima dos jogos”.
Me recordo bem dessa época do meu bairro. Eram cinco os arcos que eu citei: azul, amarelo, preto, verde e vermelho. E eu gostava deles porque sempre achei que asfalto deveria ter uma cor diferente. “Cinza? Por que diabos cinza?”, eu me perguntava. Queria um mundo mais colorido… E os arcos da vila, fortes e brilhantes, me traziam um sentimento mais feliz sobre o bairro onde eu nasci e onde morei por 24 anos.
Eu adorava o arco amarelo. Amarelo sempre foi a minha cor preferida – e por dois motivos: eu adorava a cor do sol (e ainda adoro) e a cor também me remetia, quando era menor, a minha Power Ranger favorita.
Durante a infância, meus primos e eu tínhamos uma brincadeira que se repetia quase todo fim de semana de férias de verão: nós costumávamos entrar nos tubos de concreto “abandonados” de uma construção da vila e “morfar” o tempo inteiro. Chegávamos em casa sujos de cal e cheios de arranhões – coisa de criança que sabia que a mãe tinha bons 2 quilos de “Omo” em casa para, mais tarde, dar um jeito naquelas bermudas e camisetas imundas.
Mas as Olimpíadas de 96 não foram a única ocasião em que nos reunimos para enfeitar o chão da vila. Em 98, quando chegamos à final da Copa na França, deixamos de ter só arcos coloridos no asfalto do bairro e tivemos, também, o mascote da competição e uma bola de futebol enorme desenhados no asfalto. É… Os meus vizinhos sempre acharam que essa coisa de pintar chão traria sorte. E sabe que dessa vez, admito, quase deu? Pena que fomos massacrados na final do mundial.
Pintada assim, a vila onde eu morava parecia muito um dos cenários de “Anos Incríveis”, série que só descobri anos depois. Pintada assim, também me deixou um pouco indecisa quando as próximas férias escolares, já no verão, depois daquela bagunça de vuvuzelas, chegaram. Apesar das cores espalhadas por toda a sua extensão, o que eu pensava sobre a rua era:
“Onde é que eu vou desenhar a minha amarelinha? Preciso de um lugar reto e sem pinturas para o caminho até o “céu”! Mas tem pintura por tudo quanto e canto…”
Descobri, só um tempo depois, que o caminho ao “céu” nunca é liso, reto, como sempre pensei que deveria. Tem sempre uns buraquinhos aqui, umas pedrinhas ali. Mas descobri também que chegar lá, depois de umas puladas certas, outras erradas, é a melhor coisa do mundo.
Meu nome é Aline Vieira. Eu tenho 27 anos. E eu cheguei ao “céu” só agora. Este lugar é lindo. Quero passar o resto da minha vida aqui.
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