Lembrar o nome do meu teletransporte para a Guerra da Coreia já nem era mais uma opção. Depois de uma confraternização pré-feriado num lugar do tipo “dois chopps pelo valor de um até as 23h”, pouca memória ainda me restava. Na manhã do dia seguinte, os solinhos de Creedence Clearwater e Rolling Stones que a banda do bar tocava ecoavam na minha cabeça, assim como uma história que ouvi no fumódromo.
O coreano bonitinho encostado na parede vestia Abercrombie branca, fumava adoidado e telefonava para meio mundo. “Eu não posso dormir em casa hoje. Tudo bem se eu dormir na tua casa, cara?”, perguntou para alguém que parecia estar ocupado do outro lado da linha. Calada, esperei o rapaz fazer outra ligação. Assim que terminou, ele fechou o celular e me olhou, com um sorriso torto meio triste. Já alta, lá fui eu, sempre intrometida demais:
– “Tá fugido de casa é?”, eu disse, rindo.
Chateado com a resposta negativa do, sei lá, vigésimo amigo, o rapaz resolveu relaxar e me contar toda a história. Disse que tinha inventado uma mentira enorme para os pais rígidos naquela noite. “Falei para eles que estava em Aldeia da Serra com uns amigos e que só voltaria no dia seguinte pra pegar a estrada mais de boas. Eles não gostam quando eu dirijo à noite, sabe?”, contou, meio envergonhado.
O papo com o meu novo amigo (!) ganhou um rumo mais Larousse* sei lá por qual motivo. Do nada, o cara me disse que acha que seus pais são um pouquinho controladores porque participaram da Guerra da Coreia, iniciada em 1950: “Acho que eles são assim porque já passaram por muita coisa. Pra você ter uma ideia, eles conseguiram sair da Coreia do Norte fugidos em um navio”, contou. Minha cara era de “Wow”, apenas. Como ele estava entusiasmado com a história, resolvi fazer aquelas perguntas genéricas: “Mas eles já tinham alguma família aqui?”, “Qual foi o primeiro trabalho deles no Brasil?”, “Onde moraram quando chegaram?”. A bebida me deixou tão interessada na conversa que o papo parece ter durado uns 30 minutos.
Lembro de uma amiga me procurar no fumódromo para ir embora… bem na hora que o papo ficou um pouco mais legal. Pedi 5 minutinhos. O coreano, que tinha 21 anos e fazia Administração de Empresas na Getúlio Vargas, me disse que tinha acabado de voltar de 12 meses no exterior (na Coreia do Sul, mais especificamente). Os olhos dele encheram de lágrimas quando ele falou que o ano que passara fora tinha sido o melhor de toda a sua vida.
Naquela noite, eu não fui parar apenas na Guerra da Coreia. Fui parar, mais uma vez, na sensação de viver a vida dos sonhos – mesmo que através da história de outra pessoa.
* Pra quem não conhece (ou lembra) da Larousse, ela era uma enciclopedia enorme que veio muito antes do Google e da Wikipedia. É, era assim (e com a Barsa!) que eu fazia meus trabalhos da escola. Há!
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Oi Aline,tudo ok? Eu conheci o blog no dia em que você postou sobre a Mãe do Lucas e desde então me apaixonei pela maneira gostosa que você escreve,parece até que nos conhecemos e que você me conta todas essas histórias durante um café! Parabéns pelo blog e por ser assim,maravilhosa e em especial obrigada por me apresentar essas pessoas.
Afinal ele achou onde dormir?