Quando a água do mar começou a ficar verde demais, eu logo percebi: nós estávamos chegando em Playa Blanca, uma pedacinho quase que paradisíaco, não fosse a quantidade grande de turistas, em Isla Barú. Foi um caminho de uns 40 minutos num barco que eu poderia jurar que levantaria voo a qualquer momento, e eu tive que me segurar bastante para não ser lançada longe. “Afinal, aquele post da Jana Rosa sobre os motoristas da Colômbia era mesmo real: a galera aqui deve ser tudo louca ao volante”, eu pensei enquanto rezava para o vento forte que batia no meu rosto não levar as minhas lentes de contato embora.
Em uma língua que parecia tudo, menos espanhol, o motorista da pequena embarcação começou um anúncio importante. Disse que o barco tinha como destino final a Isla del Rosario, a 40km dali, e que quem fosse descer antes precisava levantar a mão imediatamente. Eu, que a essa altura do campeonato já estava mais descabelada que instrutor de paraquedas, ergui meu braço bronzeado e esperei até que o barquinho azul com bancos duros chegasse mais próximo da areia. Não precisamos de muito tempo até avistar eles, que seriam os nossos piores “inimigos” nas próximas horas. Eles, os ambulantes de praia.
Pode acreditar: provavelmente você nunca vai ver tanto ambulante chato concentrado em um só lugar como na Colômbia. Nem no Guarujá, com a gritaria que mais parece uma feira, nem na Praia de Copacabana, com todos aqueles biscoitos Globo e aquelas esfirras torradas pelo sol passando pra lá e pra cá. E em Cartagena, principalmente, ninguém está nem aí para boas maneiras. Assim que coloquei o pé da areia branquinha do Caribe colombiano, uns quatro deles já me rodearam e demoraram a me deixar em paz:
– “Linda, tenho uma massagem ótima, quer que eu faça em você?”, disse uma moça robusta e bem morena com um baldinho de água na mão. “Essa pulseirinha de pérolas originais do mar caribenho ficaria linda no seu bracinho”, disse outra. “Quer cerveja, moça?”, gritou um cara vestido de branco. “Olha o aluguel de barracas de praia aqui, linda, vem!”, mais outro.
Ao fundo de tudo isso, o dono do barco ainda gritou:
– “Meninas, o barco volta aqui pra buscar vocês às 15h! Quem não estiver aqui, não vai mais embora. Não esqueçam: às 15h”, ele disse.
Ainda rodeada de vendedores, respirei fundo para não perder a paciência. Nunca mostrei aqui no blog, mas tenho uma tattoo com os dizeres “Kill Them With Kindness” no braço (clique e veja!). Fiz numa época em que eu precisava treinar o jeito de lidar com as pessoas – e daí descobri que a melhor maneira de derrubar as muralhas dos outros, era sendo extremamente gentil (numa outra oportunidade, eu explico melhor). E foi por isso que, em Isla Barú, eu disse um ‘não’ educado a todos os ambulantes e resolvi dar uma volta na praia antes de me enfiar no projeto “Bronzeado Perfeito”.
Quando finalmente estendi minha canga no chão, de frente para o mar verdinho do Caribe, todos os ambulantes voltaram a me rodear. Extremamente chateada por não poder relaxar sem que alguém logo quisesse me enfiar bugingangas, tomei uma, duas, três cervejas. Até que ele, o Argemiro, parou bem na minha frente.
– “Brasileiras? Meu nome é brasileiro também! Meu nome é Argemiro”, ele disse, animado, tirando o gritinho de todas as meninas da roda. É que a gente achou engraçado o fato de ele saber que o nome dele era típico do nosso país.
Com calça branca, camiseta azul e chinelo havaianas, o bronzeado do Argemiro, que já era negro, ficava ainda mais em evidência. E ele, ao me ver estendida no chão torrando no sol, resolveu puxar papo.
– “Chica! Você já está quase da minha cor”, ele brincou.
– “Mas é exatamente esso o meu objetivo de vida, Argemiro”, eu respondi.
O Argemiro tinha no máximo 30 anos e vendia tartarugas artesanais pela praia. Depois de perguntar o preço dos brinquedinhos, não consegui segurar a cara de espanto: a menorzinha custava 30 mil pesos, o equivalente a 30 reais. “Não existe uma loja na Liberdade ou não 25 de março em que essas coisas sejam mais baratas?”, eu me perguntei.
Com a minha cara de choque e dúvida pairando, o cativante Argemiro resolveu descontrair:
– “Eu sabe cantar aquela música de vocês. O Lepo Lepoooo”, ele disse.
E eu comecei a rir. É que o “Lepo Lepo” (in)felizmente tinha sido a música do meu carnaval – e de quem não? – e eu tinha aprendido todas as três ou quatro coreografias mais famosas do hit num período de 4 dias em Ouro Preto.
– “E você sabe dançar, né? Vai, eu canto e você dança, Argemiro”, eu sugeri, fazendo com que outros vendedores ambulantes chegassem mais perto para acompanhar o mini show.
Sorridente, porém um pouco tímido, o Argemiro tentou dançar, mas se embaralhou todo. Sentou na minha frente de novo e foi direto ao ponto:
– “Agora você pode comprar minhas tartaruguinhas, né?”, perguntou.
– “Então, Argemiro, tô sem dinheiro. Vou pra Medellín ainda e tô dura”, eu disse, tentando usar ao máximo o meu espanhol duvidoso.
– “Mas é bem baratinho”, ele insistiu.
Eu sabia que se eu comprasse aquela tartaruguinha cara do Argemiro, todos os outros ambulantes ao redor iam ficar no meu pé pra eu também comprar os produtos deles. E, por isso, brinquei:
– “Só compro as suas tartarugas artesanais e as máscaras incas que você está vendendo se você dançar o Lepo Lepo 30 vezes bebendo 30 cervejas ali no meio do mar”
Argemiro riu e todos os outros ambulantes também sorriram. Ele viu que eu realmente não compraria nada e se despediu, sem raiva nenhuma, sem rancor aparente.
– “Então tenha um bom dia. Continuo te achando linda e adorei o seu sorriso. Você é muito feliz”, ele disse.
Neste dia, bebemos ainda mais cervejas, o que potencializou a nossa tagarelice em Cartagena. Depois de fazer amizade com quase a praia toda, o dono do barco azul que mais parecia um foguete voltou. Quando embarcamos, muita gente gritou um “tchau, brasileñas”. Eu olhei pra trás e só imaginei como seria incrível voltar naquela mesma ilha daqui uns meses e dançar o próximo hit do verão brasileiro com meia dúzia de ambulantes.
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Brasileiras como sempre causando … hahahahaha
Ai que paixão ler isso. Haha. <3
Eu acho os colombianos umas figuras! Meu professor de Filosofia é colombiano, e é uma graça, eles amam o Brasil!
Agora, eu não sabia que os ambulantes colombianos eram tão chatos HAHA
Adorei seu blog, tô lendo absolutamente todos os posts! Uma ideia muito criativa a sua! E você escreve muito bem :)
Beijos!