65. A fumante animada do túnel


Minha ressaca era, mais uma vez, de trabalho. Naquela manhã de quinta, coloquei minha mochila no banco detrás do carro e, baixinho, pedi para que o motorista de táxi fosse ‘pelos túneis’. Apesar de eu ter pavor a túnel desde criança, pegá-los em São Paulo ainda me parece a melhor solução em dias de trânsito. Prefiro mesmo ficar presa no engarrafamento sem ver como o céu está bonito para um bate-volta na praia ou sem ver que o dia ‘está para chuva’ justamente quando esqueci minha sombrinha pendurada no varal da minha área de serviço minúscula nesse apê 51.

Era janeiro, semana pós-Ano Novo, e aquele parecia só mais um trajeto normal até o trabalho. A escuridão e melancolia do túnel, porém, duraram pouco tempo – pelo menos para mim. Ao lado do meu táxi, apontou um Corolla preto com uma moça de rabo de cavalo castanho escuro como motorista. Com maquiagem toda borrada na pele branca, típica de quem curtiu demais uma balada ou uma fossa na noite anterior, e feição de ‘nada me deixará de mau humor hoje’, ela fumava cigarro após cigarro. Parecia tão desligada da vida que só abriu a janela do carro depois de ver a fumaça infestando todo o interior do automóvel.

Assim que abaixou o vidro, o túnel inteiro percebeu a animação: sentada, a fumante do túnel dançava como podia ao som de ‘Teenage Dream’, da Katy Perry. Balançava a cabeça, jogava as mãos para a frente e gritava o refrão com a alma. Ao redor, todo mundo olhava incrédulo. “Como ela consegue estar feliz a essa hora da manhã?” e “O trânsito está caótico assim e essa louca está dançando e cantando animada?” eram só algumas das frases que eu imaginava brotando da cabeça de todos os outros motoristas do túnel.

Apesar de eu ter rezado para que a fumante animada do túnel olhasse para o carro onde eu estava antes de a fila enorme andar, ela se concentrou mesmo é naquela parte da música que diz: “let’s go all the way tonight, no regrets, just love, we can dance until we die, you and I we’ll be young forever”. E eu não consegui parar de sorrir, já que a estranha do trânsito parecia cantar a trilha sonora de uma das épocas mais marcantes da minha vida com a mesma intensidade que eu a canto toda vez que o meu shuffle entra numa vibe nostálgica.

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