85. A sósia colombiana da Usurpadora


Eu já perdi as contas das vezes em que, em uma conversa normal com amigos “recentes” – esses que vieram depois dos meus 20 anos, eu digo -, eu tive que implorar para acreditarem que, apesar de todas essas histórias malucas com desconhecidos, eu tive um passado de timidez e introversão. É que a minha vergonha na adolescência era tanta, que poucas vezes eu me deixava levar pelas “brechas” que a vida dava para que eu conhecesse gente nova.

Eu estudava das 7 às 12h30 na Escola Santa Izildinha, na Zona Leste de São Paulo, e, enquanto todos os meus colegas de classe faziam planos para dar seus “rolêzinhos” no shopping, eu juntava meus livros na minha mochila vermelha e corria pra casa para assistir aos programas de fofocas sobre celebridades na televisão. É… qualquer outra pessoa provavelmente ficaria com o pé atrás de revelar que foi a Sônia Abrão quem ajudou a “formar a sua personalidade”, mas eu acho que, já naquela época, a Sônia Abrão era mesmo um sinal na minha vida (afinal, é de jornalismo de entretenimento que eu vivo hoje).

Com a Soninha, eu aprendi algumas coisas: foi no programa dela, por exemplo, que eu tive o primeiro contato com a língua espanhola. Aquelas entrevistas com astros de novelas mexicanas eram minha parte favorita da atração. Eu adorava ver, gravar, e decupar (já fazia isso naquela época, mesmo não dando esse nome) as reportagens sobre a “Carinha de Anjo”, sobre as “Marias” de Thalia e, óbvio, sobre a Gabriela Spanic, atriz que deu vida à melhor personagem de todos os tempos da TV mexicana: sim, ela, a linda, a diva, a arrasadora Paola Bracho, também conhecida como a Usurpadora.

É… Deve ser por esse passado tão conectado a cultura do entretenimento latino que, ao chegar em Playa Blanca, uma ilha em Cartagena, na Colômbia, e me deparar com uma espécie de sósia da minha personagem favorita (seguida pela Matilde Penãlver, de “Amor Real”), eu simplesmente não me segurei.

Era uma terça-feira quente no meio das minhas férias, e como eu já disse nesse post, eu contava com a ajuda das cervejas, que são bastante baratas naquele país, para me livrar da chatice que é conviver com os milhares de ambulantes que perseguem turistas nas cidades mais costeiras, oferecendo todos os tipos de serviços e bugingangas possíveis.

Depois da segunda garrafa, eu esqueci as abordagens de dois em dois minutos: estendi minha canga no chão (coisa bastante chocante para os locais – desculpa, mas eu não tomo sol em cadeira de praia não), me deitei na areia fofa e branquinha e ajeitei o meu biquíni para conseguir as marcas “certas”. Daí olhei para o mar verdinho, olhei para os barquinhos coloridos ancorados por toda a parte e, quando olhei a 90 graus e vi o grupo que se bronzeava do meu lado, não consegui conter a emoção:

“Meu Deus, tô tomando sol do lado da Usurpadora”, eu disse, brincando com as duas amigas brasileiras e uma neozelandesa que estavam comigo e pedindo para que, discretamente, elas tirassem uma foto.

A “Usurpadora” do meu lado tinha a maior bunda do mundo e exibia, sem encanação nenhuma, todas as estrias provavelmente causadas pela quantidade excessiva de silicone no local. Eu tinha certeza que aquela bunda era “comprada”. Era muito mais que uma Mulher Melão, muito mais que uma Babi Rossi e mais ainda do que uma Kim Kardashian. Alguns dias depois, confirmei com a Meli, minha amiga de Medellín, que existe mesmo uma cultura forte de intervenções cirúrgicas no bumbum na Colômbia.

O grupo em que a “minha” Paola Bracho estava tinha dois rapazes tatuados (um gordo e um magro, sendo que um deles parecia muito mais ‘ZL na veia’ do que o outro), uma garota de jovem e bonita, que podia muito bem ser uma Angel, e uma menininha mais nova, que brincava de fazer castelinhos de areia. Todas essas pessoas pareciam entendiadas naquele paraíso, afinal, nos 30 minutos que passei deitada ali, só era a voz dela, da “Usurpadora”, que eu escutava. Apesar do meu espanhol mediano, o que captei da história foi que ela sempre era a mais bêbada, mas a mais legal, a mais correta, a mais fodona. A gostosa. A musa da humanidade. A Nobel da perfeição.

Eu podia bem pegar bode da “Usurpadora”, mas a minha curiosidsde em relação a ela era cada vez maior. Eu até comentava com as minhas amigas que queria fazer uma abordagem. Elas, assustadas com a minha falta de vergonha, só pediam pra eu olhar com atenção para os rapazes, que tomavam aguardiente, a cachaça colombiana, no gargalo naquele calor de 36 graus. Tenho que admitir: era, realmente, assustador.

“Olha, meninos!”, ela começou, enquanto eu cogitava puxar papo. “O que sempre falo é que com o assunto depressão não se brinca. Eu achei que não fosse me levantar, sair da pior, conseguir criar filhos, levar uma vida normal”, ela continuou, em espanhol, parecendo vez ou outra enxugar algumas lágrimas do rosto (ou era suor também, não sei).

Foi a primeira vez durante aquele papo que senti que a moça, que parecia acostumada com os olhares curiosos dos rapazes mais saidinhos na praia, se mostrava humana e frágil – como todos nós, com bunda de silicone enorme ou sem nada. Dei uns 10 minutos para o clima ficar melhor no grupinhho, bebi outra garrafa de cerveja e resolvi falar:

“Desculpa interromper. Mas tenho que te dizer que você é a cara da Usurpadora”, eu disse, sorrindo, e atraindo a atenção de todo mundo. “Alguém já te falou isso?”, perguntei.

A Usurpadora mexicana riu e rebateu, dizendo que se parecesse jovem igual a Gabriela Spanic, sua vida seria perfeita.

“Mas você é, não é?”, eu perguntei, obviamente forçando a amizade, já que por trás dos óculos RayBan, ela escondia alguns (muitos) pés de galinha e eu me perguntava se aquela caralhada de gente do grupo tinha alguma relação parental com ela.

“Uau, mas que elogio! Eu tenho 36 anos. Dá para acreditar que esse garoto aqui de 14 anos, aquela magrinha de 18 e essa menininha de 7 são meus filhos? Não dá, né?”, ela respondeu, extremamente feliz e querendo continuar o papo.

Perguntei de onde eles eram e quando ouvi Cali, só consegui lembrar das periferias dominadas por salsa que via nas reportagens da CNN. Mas para quem vem de São Mateus, no extremo leste de uma cidade violenta como São Paulo, o que são umas gostosas (talvez) mal-encaradas rebolando?

Os rapazes do grupo, principalmente, se animaram quando dissemos que erámos do Brasil. A “Usurpadora” deu uma olhada rápida para eles e para a garrafa de aguardiente de um dos caras, que não era da família e que se embebedava com mais vontade debaixo da tenda, e ele pareceu ter entendido o recado…

“Dale, Brasil! Vocês querem beber essa aguardiente com a gente?”, ele perguntou, levantando uma garrafa cheia e nos oferecendo um gole.

Eu ri.

Disse que não, agradeci a receptividade e logo arrumei minhas coisas para voltar para o barco que nos levaria de volta para a cidade. Na volta, em meio as ondas violentas do mar colombiano, fiquei pensando em quanta história boa eu perdi recusando uma birita. Colômbia, da próxima vez prometo beber com toda a sua gente.

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