112. Um pedacinho de mamãe no elevador do prédio

Não vou dizer que as terças-feiras são as piores. Se o fizesse, certamente estaria sendo uma cadela mal-agradecida. Aprendi bastante nos últimos meses, e percebi que não tenho, exatamente, razões para reclamar…  A não ser por aquela data em março de 2017, quando o chão se abriu por inteiro, de forma rápida e apavorante, e carregou mamãe junto.

Ah, merda!
Estou colocando a carroça na frente dos bois mais uma vez.

O que eu ia dizer é que há tanto a contar sobre os dias depois daquele dia…Mas não sou capaz de continuar escrevendo sem antes confidenciar que, na noite passada, ouvindo “The House That Built Me” e “Never Alone”, da Miranda Lambert e da Lady Antebellum, chorei até finalmente cair no sono. Mergulhada em lágrimas, pedi quase implorando para sonhar com ela. É isso que faço toda vez que sinto muita saudade.

Olha, foi reconfortante ser atendida. Me senti, ao acordar, a menina dos olhos do Universo.

Você, às vezes, também tem a sensação de que a vida assemelha-se (de forma perturbadora) a uma enorme caixa de lego? Cada pecinha se encaixando em seu lugar, a fim de, mais tarde, virar algo que faça mais sentido do que uns cubinhos soltos?

Calma, caceta! Vou explicar!

Eu não quero, com isso, dizer que o lego só é capaz de formar combinações perfeitas. O que quero dizer é que há vezes em que você monta um panda fofo, que tira sorrisos de quem passa e o vê na sua estante, e, outras, em que monta uma cadeira toda torta, sem uma perna, que segue balangando por dias, talvez pela vida toda… Bonito ou não, tudo se encaixa.

É por tudo se ser exatamente do jeito que é (porque essa é a única possibilidade, certo?) que não tenho como dizer que as terças-feiras são as piores.

Quando o interfone tocou, nesta terça-feira, eu já sabia que era a minha encomenda de livros sendo entregue na portaria. Tenho passado mais tempo com eles do que com pessoas. Então, entre uma reunião e outra, e um mar de aprovações e desaprovações de conteúdo a serem feitos, corri porta afora e chamei o elevador. Há meses eu não tinha um dia conturbado como este e, por isso, respirei fundo e chamei a minha própria atenção: Vai com calma, menina! Não precisa ficar toda afobada assim!

Uma meditação rápida a espera da geringonça (que está sempre em manutenção aqui no meu prédio) me fez pensar que não odeio mais nem as terças-feiras, nem as outras “feiras” do mês. Lembrei de tantas delas, nada calmas, que se fizeram importantes para resultarem em quem hoje eu sou.

Desde que sumi daqui, teve a aquela quarta-feira de setembro de 2017, quando fui na minha primeira sessão de terapia da vida inteira. Estranho aquilo. Do lugar de onde eu venho, as pessoas não costumam se consultar com psicólogos. Eu não suportava mais o ardor queimando por dentro, então fui. Entrei toda tímida e desabei em questão de minutos. Quando dei conta, já havia gasto uma quantidade exorbitante de lenços de papel. Naquele dia, reclamei de dores no corpo e disse que tinha medo de morrer. Achava que estava doente. De fato, eu estava.

Então corta para uma quinta-feira de setembro de fevereiro de 2018 quando, depois de um longo e exaustivo expediente, decidi não desmarcar um jantar com os amigos em uma empanaderia famosinha em Pinheiros. Uma frase acabou comigo naquele dia. Depois de me olhar com preocupação, ele (oi, Rafa!) não mediu as palavras. Afirmou: “Eu nunca te vi tão medrosa como agora. Você não é assim”. Quis me defender, mas eu lá tinha argumento?

Fica aí que tem mais!

Era uma sexta-feira de março quando sentei numa sala com meus dois chefes e pedi demissão do “emprego dos sonhos”, porque ali eu já estava dominada pelo burnout, uma síndrome do esgotamento mental e físico. Já não sentia prazer em fazer nada que sempre amei: ler, escrever, conversar e dançar. Nem que eu dormisse por vinte quatro horas durante um feriado prolongado inteiro eu conseguia deixar de me sentir daquela forma. Doente da alma, percebi que a única chance de cura estaria em recomeçar do zero. Em reaprender a viver a vida e o tempo.

Também era uma sexta-feira quando saí por aquela catraca pela última vez.

Fazia quanto tempo mesmo eu sonhava com um sabático?
Não vou dizer que foi uma decisão fácil – afinal, era o “emprego dos sonhos”.
Mas não importa. Eu apertei o freio no trabalho e acelerei a minha vida pessoal.

Nas “feiras” que se seguiram, entrei em um curso de escrita que sempre quis fazer, me aventurei numa roadtrip pelo Chile, assisti alguns filmes bons e alguns ruins, maratonei dezenas de séries e li mais de 30 novos livros. Perdi a voz em karaokês. Me reconectei com o lugar onde eu nasci. Busquei religião, mas descobri espiritualidade. Revi (e revivi!) todos, TODOS!, os amores que havia varrido há tempos para debaixo do tapete. As dores pelo corpo foram esquecidas. Nunca mais apareceram.

Toda vez que penso na vida, penso na tal caixa de lego. Mas também penso num carrosselonde tudo gira sem parar e a cada nova volta nos confronta com uma visão diferente das coisas.

Vê que louco: também era terça-feira quando recebi de presente um emprego novo e pensei em como ele me veio como recompensa.

– Olha o quanto você girou no carrossel! Merece agora um cavalinho bonito e confortável – eu sempre, SEMPRE, penso no Universo me dizendo isso.

Foi o barulho da porta do elevador velho se abrindo que me trouxe de volta para o hoje. Assim que eu entrei, uma surpresa: eu encontrei “mamãe” no elevador. Não precisei implorar.

Uma senhorinha do sétimo me viu entrar de chinelo no caminho para a portaria nos 14 graus de São Paulo e exclamou:

– Mocinha do céu! Esse frio e você sem uma meinha! Deveria estar de meia. Coloca uma meinha!

Mamãe falava assim toda vez que a temperatura abaixava um pouquinho. E foi como se ela estivesse ali, preocupada que eu fosse pegar um resfriado.

Talvez as terças-feiras sejam, agora, as minhas favoritas. 

4 thoughts on “112. Um pedacinho de mamãe no elevador do prédio

  1. Nossa, to chorando ao final desse texto.
    Comentei ainda hoje aqui no seu blog mais cedo, é engraçado porque te conheci na época da Capricho e te tenho no Twitter. Nem uso mais o Twitter e hoje entrei por lá porque precisava ver um negócio do trabalho e tinha um tweet seu, o primeiro que apareceu na minha conta/timeline, não sei como chama haha. Entrei, lembrei de você e da época que provavelmente te acompanhava há aaaanos atrás, fui ver seu blog e me identifiquei…
    Eu que to pensando tanto em tirar um sabático mas morro de medo, me identifiquei em vários trechos do seu texto.
    Muito lindo e que emociona, parabéns <3 Continuarei acompanhando e lendo os textos antigos :)
    Boa sorte nessa nova fase e espero que esteja bem, não imagino a dor de uma perda como essa. Bjs!

  2. Ahhhh como eu amo os seus textos, me faz relembrar e lembrar do que realmente importa na vida, me faz dar valor a cada segundo vivido, me faz relembrar de como minha vida “pré adulta” (não sei se existe esse termo rs), foi maravilhosa por ter conhecido você, por ter vivido momentos mais que maravilhosos com vc, a Pri, o Lipe, foram momentos inesquecíveis, lembro com muito amor, saudade, e dor no peito, dor por ter perdido aquele contato que tínhamos, mas fico feliz e agradecida por ver a mulher que você se tornou, ver que apesar de tudo, você sempre está sorrindo e sempre nos ensinando a dar valor a vida.
    Seus textos me inspiram a procurar ser sempre uma pessoa melhor do que sou, uma mãe melhor, uma esposa melhor, seus textos me fazem viajar de encontro ao meu íntimo, onde em alguns momentos da vida, me perco, não sei quem sou, e nem porque as coisas acontecem dessa forma, só sei que você me dá forças para seguir em frente, e acreditar que dias melhores virão, e que nesse mundão ainda existem pessoas maravilhosas, pessoas especiais.
    Obrigada por me proporcionar esses sentimentos.
    Continue sendo essa pessoa iluminada que é ❤

  3. Meu deus, quanto amor! Continue dividindo essas palavras por aqui sim, por favor. Quanta sensibilidade e força em uma só pessoa ! Sou muito fã, mas disso tu já sabe.;)

  4. Eu sinto alegria muito grande em ler seu texto Aline. Eu tenho 36 anos e vejo todo o amor de sua mãe por você, e sinto o orgulho dela em vê-la escrever, como se fosse minha filha.
    Foi numa terça feira que você a reencontrou num elevador. Seu texto me encanta, continue escrevendo, amando a vida. DEUS continue a te abençoar.

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