Hoje, oito (enormes) comprimidos de antibiótico depois de toda a merda que me levou ao hospital na última semana, sou capaz de elaborar uma lista mental de tudo o que me trouxe onde estou: a chuva torrencial que me atingiu numa tarde antes da aula de espanhol, o exagero ao som de Leandro e Leonardo no karaokê de despedida de solteira de uma amiga querida, uma soneca à tarde com o ventilador ligado diretamente na cara… Além de, é claro, todo o estresse e a ansiedade gerados pela aproximação da semana de apresentação da minha monografia da pós-graduação.
Eu, que sentia como se estivesse (finalmente) me virando bem em relação a minha própria saúde, me senti, de repente, sendo arrastada por alguma espécie de força maligna: “Hoje vou fazer com que ela sinta dor de garganta”, eu poderia até imaginar a maliciosa voz dizendo. “Opa, ela está resistindo bem, então vamos meter uma tosse nela também!”, dizia, um pouco mais atiçada. “Já que não estamos conseguindo derrubá-la, vamos apelar e meter umas melecas bem nojentas nesse narizinho”, esbravejava, por fim. Eu suportei a pressão até ouvir o “Aline Vieira, com o livro “Algodão Doce”, nota 10!” da boca do meu orientador. Assim que pisei no bar com meus amigos para comemorar já sabia tudo o que viria a seguir.
Então, quando tive que explicar ao médico plantonista do hospital o que sentia, resolvi contar a história completa, como se ele fosse um dos meus melhores amigos:
– Acho que é psicossomático! Começou com uma chuva, uma karaokê, virou uma dor de garganta e agora eu estou meio febril porque essa foi minha semana final na pós e fiquei muito estressada – eu disse.
Ele pediu que eu tirasse a blusa de frio que usava nos 26 graus, colocou o aparelho no meu peito e nas minhas costas e, sem disfarçar, chacoalhou a cabeça enquanto eu respirava. Até eu consegui ouvir o barulho do catarro por dentro.
– Vou pedir um raio-x. Mas antes você vai tomar Decadron e Allegra D na veia – afirmou. É fato que sempre prefiro tomar remédio na veia. Tenho um problema realmente patético com os tamanhos dos comprimidos.
Também não sinto o menor orgulho de dizer que já fiz uma quantidade excessiva de raios-x na minha vida. Durante a infância foram inúmeras pneumonias que, inclusive, me renderam um diagnóstico de bronquiectasia aos 15 anos de idade. Desde lá, pratico esportes para que possa reduzir um pouco o dano causado. Mas isso não importa. O que realmente merece ser dito é que, mais uma vez, depois desse exame, lá estava eu, com secreção acumulada no mesmo lugar de sempre.
– Quatorze dias de antibiótico – ele disse.
– É o que, doutor? – eu perguntei. Eu sabia que não estava me sentindo lá muito bem, mas não imaginava que pudesse ser tão grave assim.
– Também vai ter que tomar corticoide e antialérgico – ele disse, rindo.
Peguei a receita e o atestado e saí, mais uma vez debaixo de uma chuva torrencial, dessas que no verão são comuns em São Paulo, rumo à farmácia. Deixei o guarda-chuva na porta com a típica preocupação paulistana de ter o acessório roubado enquanto dentro do estabelecimento, e fui direto para fila.
Esperei a Fabiana atender o senhor da frente e, na minha vez, já logo abri o jogo.
– Mulher do céu. Antes de vir aqui, passei na farmácia ali em cima e a caixa do antibiótico tava 80 reais. Pelo amor de Deus, são 14 dias! Eu morro, mas não pago 160 em duas caixas de antibiótico – eu falava brincando, para descontrair, mas também falava sério.
Ela, ao ver que eu realmente cogitava não comprar o remédio, abriu o jogo:
– Nossa, eu já tive que tomar antibiótico por 14 dias várias vezes. É horrível, mas tem que tomar certinho porque senão volta pior.
Eu continuava dizendo para ela me apresentar outros genéricos. Oitenta reais numa caixa de antibiótico estava fora de cogitação.
– Olha, eu vou ver um aqui de um laboratório que eu confio muito. Custa R$ 40 a caixa, daí você compra duas e paga os R$ 80 que pagaria em uma caixa em duas – ela disse.
Comemorei dando risada e agradecendo:
– Ah! Mas essa mulher é ou não é a salvadora da minha vida inteirinha?
Ela examinou a receita novamente e viu o corticoide.
– Ah, esse é baratinho, menina! Dez reais resolve isso aqui! – disse.
Seguindo a lista de remédios, perguntei para a Fabiana, confiante e animada com a ajuda, sobre o Allegra D:
– E esse aí? Consegue me ver um desconto?
Ela riu alto e, indo para o estoque sem nem olhar na minha cara, gritou um enorme:
– Ixi, aí você se fodeu!!! É caro demais esse remédio, vai ter que pagar!
Eu gargalhei por dentro com a falta de limites na nossa tão recente amizade. E, em vez de ficar chocada com a resposta, como a moça atrás de mim na fila, eu estava aliviada por conseguir ter relações humanas tão leves e divertidas. Mesmo com as pessoas que eu mal conheço.
* A ilustração do post é de Thierry Fousse.
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