22. Os branquelos da Bósnia e os negões de Miami


Comecei a escrever meu primeiro e-mail para o Brasil 10 dias depois de chegar em Miami Beach, na Flórida. As primeiras palavras que digitei para os meus amigos naquela sexta de manhã foram exatamente essas: “eu tentei me comportar, juro”. Não sei em que momento da noite anterior eu me perdi, mas sei que lá estava eu de novo, numa versão bem mais exagerada do clipe ‘Last Friday Night’, da Katy Perry.

Era verão nos Estados Unidos e eu, que amo praia, tinha garantido meus 15 dias de descanso num hotel bem na cara da Ocean Drive, avenida mais movimentada da cidade. Com mais duas amigas, passei a primeira semana inteira em solo americano indo somente aos shoppings e restaurantes. Resolvemos que seria assim: nos primeiros dias, só compras e programas mais leves, enquanto nos últimos, curtição louca e (quase) sem limites.

Já passava das 10 da noite de uma quinta-feira quando chegamos à conclusão que já havíamos provado todos os tipos de Chandon e Gato Negro existentes no mundo (não se impressionem, já que o valor por lá é absurdamente baixo!). Enjoadas de beber champanhe à beira da piscina, resolvemos sair para um programa de amigas: bebericar e falar bobagens dos namorados. Eu era a única solteira do grupo e, exatamente por isso, tinha muito menos peso na consciência na hora de abrir a boca. Com o calor beirando os 32 graus, vestimos nossas regatas, colocamos nossas rasteirinhas no pé e lá fomos…

Nosso maior ponto fraco sempre foi lugar com música ao vivo. Do meio da avenida ouvimos  ‘Danza Kuduro’ vindo de um barzinho mais à frente. Isso tudo bem antes de a música virar hit no Brasil. É… era ali mesmo que ficaríamos. Sentamos numa mesa do lado de fora e pedimos um vinho. Conhecemos 7 bósnios poucos minutos depois de enchermos a segunda taça.

Brancos, mas queimados do sol, os caras da Bósnia sorriam pra gente com os dentes um pouco tortos e elogiavam:

– Quanta menina bonita! Qual o nome de vocês? Vocês querem dar uma volta na praia com a gente?

‘Dar uma volta na praia’ deveria ser algum código para ‘sexo sem compromisso’ e, por isso, neguei o convite de forma simpática:

– Ai, meninos, nossa garrafa de vinho ainda está cheia. Vamos ter que terminar antes de sair daqui.

Os caras não se intimidaram com o pequeno fora. Disseram que iam dar uma caminhada e na volta nos levariam para o passeio. Eu achei que sabia quando alguém estava prestes a me dar um bolo. Na hora que ouvi que eles estariam de volta em breve, fiquei tranquila e crente que não, eles nunca mais apareceriam na nossa frente. Os bósnios deram ‘tchau’ e lá foram, rindo alto e falando naquele idioma difícil de entender.

A noite estava só começando. Pelo menos foi o que percebemos quando, nem 5 minutos depois, um negão lindo, de boné aba reta (eu gosto, ué!), passou na nossa frente com olhar interessado. Resolveu parar pra conversar. Dessa vez, o convite era para ir à uma balada chamada ‘Mangos’, uma das mais frequentadas dali. Já levemente embriagada, me lembrei de não topar sair com estranhos só pela experiência antropológica:

– Acabamos de pedir uma caipirinha. Vai demorar pra chegar. Vamos ficar por aqui mesmo, valeu!

Apesar da negativa, o rapaz não se deu por vencido. Na hora, pensei: “Como deve ser difícil ser mulher nesse país onde o cara leva um fora e não se toca”. O rapaz, que me falou seu nome, mas que eu não gravei, disse que esperaria a gente terminar. “Enquanto vocês bebem aí, vou buscar meu primo que está num hotel mais ali na frente”. Mais uma vez, achei que aquilo só podia ser uma coisa: alguém pronto pra nos dar um bolo. Disse meu “vai lá, depois nos vemos” despretensioso e continuei a conversar com as meninas.

Mas meus olhos não acreditaram quando, cerca de uma hora depois, vi os caras da Bósnia voltando e parando bem na nossa mesa. E como a filha da puta da Lei de Murphy adora zoar as amiguinhas, não demorou muito para o negão chegar com o primo dele, todo tatuado com nomes de mulheres. Branquelos da Bósnia e Negões de Miami. Tudo ao mesmo tempo. Na nossa mesa. Eu não sabia o que fazer. Os dois grupos se olharam tão feio no início que até o garçom veio me perguntar se estava tudo bem. Crente que eu conseguiria dominar a situação, disse que sim.

O que tinha tudo pra virar uma grande briga se transformou em amizade. Perguntei se os caras já haviam experimentado caipirinha e todos disseram que não. Meu copo enorme foi passando pelas bocas de cada um deles. Já endoidecidos por causa da forte cachaça, os negões sacaram os celulares e começaram a tirar fotos com a gente e com os bósnios. Também zonza, peguei minha câmera e fiz o mesmo. Apontei pra tudo quanto é lado e apertei o botão redondo. Já sabia que aquela era a única garantia de memória daquela noite.

No meio do caos fotográfico, um moço da Bósnia, o com mais cara de pateta, percebeu que estava ‘apaixonado’ por uma das minhas amigas. A convenceu a passear com ele na praia. Gargalhando de embriaguez, os negões se despediram para ir a uma festa. As horas tinham voado e já quase amanhecia. Lembro de assistir o nascer do sol de uma casinha de salva-vidas na praia junto ao Dennis, o mais feinho do grupo dos caras da Bósnia. E foi bom porque a gente só pensou mesmo em dar as boas vindas ao novo dia.

5 thoughts on “22. Os branquelos da Bósnia e os negões de Miami

  1. Você escreve de forma tão leve e envolvente que eu viajo também!! E imagino todas as situações, impossível escolher a(s) pessoa(s) ou o post favorito.

  2. Sem dúvidas a sua vida é cheia de grandes acontecimentos e suas palavras cheias de imagens, sim consigo pensar, imaginar e viver cada cena que você descreve. Já pensou em escrever um livro?

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