27. Patrik, com K, não com CK


Conhecia o Patrik praticamente só de vista quando ele sentou ao meu lado na primeira aula de ‘História da Música’ do bimestre na sala 105. Cansada da festa do dia anterior, eu tentava de todas as maneiras não cochilar. A minha regra era clara naquela época: ‘Não importa o que você fez na noite passada, aguente de olhos abertos e com bom humor’. O Patrik, um suíço pirado de Murten, ao sudeste do país, parecia na mesma situação que eu –  bem acabado, mas não dava a mínima para todo esse lance de disfarçar.

O braquinho sardento de 21 anos, que sempre usava sneakers roxos e verdes, pescou por pelo menos 30 minutos durante a aula do professor William, um moreno bonitão que eu jurava que era dono de uma daquelas Harleys poderosas. Sem dar a mínima para a análise da música ‘San Francisco (Be Sure To Wear Some Flowers In Your Hair)’, do Scott Mackenzie, o Patrik logo acordou pra valer e começou a me contar como havia sido sua viagem com o resto da escola ao Havaí. Tenho que dizer que conheci poucas pessoas tão obcecadas por maconha como o Patrik. Era desenho de maconha, camiseta de maconha, pé de maconha no quintal e, claro, maconha no Havaí.

O meu amigo suíço não havia sido a primeira pessoa que me contava que um dos alunos do nível básico de inglês da escola era príncipe na Arábia Saudita e que, naquela viagem, pagou 500 dólares/hora durante um dia inteiro para levar todo mundo aonde eles quisessem de limosine. O Patrik me disse que em alguns dias, ele e outros amigos iam com motorista até a praia e, depois, da praia até uma pequena montanha para fumar uns. ‘Foi louco, você tinha que ter visto!’, dizia animado. Lembro de achar a história realmente sensacional quando ele me contou todos os detalhes. Que louco isso de um príncipe estudar na mesma escola que a gente.

A partir do dia que o Patrik me contou suas aventuras, ele e eu viramos ótimos amigos. Tínhamos quase todas as aulas opcionais juntos. Quando o sinal batia, íamos para o nosso cantinho favorito no pátio – onde o sol batia mais quentinho – e ficávamos zoando o gosto musical um do outro. O que era unânime, porém, era o amor que nós dois sentíamos pelo Justin, o Bieber. O cantor tinha acabado de estourar com ‘Baby’ naquela época e eu e o Patrik criamos uma forma de dar ‘oi’, ‘bom dia’ ou ‘bom noite’ bem especial:

– Como você está, garota do Justin Bieber?, ele dizia.

– Sendo uma ‘baby’ comportada. E você? Vai me mostrar seus passinhos de Justin Bieber hoje?, eu jogava pra ele.

– Estou ótimo! Senti falta do seu gingado Bieber!, ele respondia, rindo.

Patrik e eu falávamos isso toda vez que nos encontrávamos nos corredores ou em alguma balada. Ninguém entendia nada. A nossa piada interna era retardada, eu sabia, mas nos fazia sorrir tão grande que eu nem ligava para o que os outros pensavam. Nem o Patrik, pelo jeito. Ele era o rei da cagada. Uma vez, ficou com uma garota brasileira numa festa que fomos e veio me contar que ela quase engoliu a língua dele. ‘Chega de reclamar, seja homem de verdade!’, eu o aconselhei, rindo muito. Naquela noite, o cara deu um perdido na menina e, poucos minutos depois, estava aos beijos com outra, uma dinamarquesa. A brasileira viu tudo, ficou chateada e gritou um ‘You’re an asshole’ na frente de todo mundo. Ele fez cara de ‘oops’ e continuou com a outra garota. O bom é que ninguém guardava mágoas do Patrik. Antes de voltar para o Brasil, a garota ‘traída’ deixou um recado na bandeira de despedida dele: ‘Você é um asshole, mas eu adorei te conhecer’. Em português mesmo, falei um ‘aaaah, muleque!’ pra ele, que não entendeu nada, mas riu mesmo assim. Comecei a chamá-lo de ‘asshole’ também dali em diante.

Falo pouco com o Patrik hoje em dia, mas toda vez que nos encontramos no Skype, nos tratamos com a mesma intensidade dos dias de maluquices na Califórnia. Ele se tornou um jogador de hockey no gelo profissional agora. Ganha pra jogar… era tudo que ele queria. Eu também realizei todos os meus sonhos desde então.

Patrik e eu marcamos de nos ver no próximo inverno suíço. Ele prometeu me emprestar as blusas de frio especiais para neve dele e me levar para esquiar. ‘Baby’ vai ser a trilha sonora do reencontro.

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