38. Kristian, o surfista que me deixou café da manhã


Acordei na manhã daquele sábado bastante decidida: eu colocaria o meu biquíni amarelo, alugaria uma prancha de surfe – mesmo nunca tendo surfado na vida – e cairia nas águas de Waikiki Beach, no Havaí, pela primeira vez. A semana anterior havia sido divertida, apesar de um pouco estressante. Em 7 dias, passei por pelo menos 3 cidades diferentes. E foi por isso que chegar na ilha de Oahu para relaxar durante os últimos dias das minhas férias era um alívio. Como verdadeira amante de praias, não consegui esconder a felicidade assim que o avião pousou em Honolulu. O lugar é maravilhoso! Ruas limpas, prédios sem as pichações das grandes cidades, pouquíssimos outdoors, palmeiras espalhadas por tudo quanto é canto, flores coloridas enfeitando cada esquina, surfistas passando pra lá e para cá…. E – ufa! – um mar tão, mas tão verde que chega a deixar os olhos cheios de lágrimas.

Saí do Pacific Beach, um hotel sensacional (e barato!) que tem um aquário gigantesco dentro do restaurante, logo cedinho e nem precisei andar muito para encontrar o que eu queria. Já na rua paralela, entrei em uma casinha toda bonitinha que alugava pranchas e menti para o Mycka, o havaiano novinho, bronzeado e estiloso que me perguntou se eu já havia feito aquilo na vida antes.

– ‘Qual o tamanho da prancha que você quer?’, Mycka questionou.

– ‘Não quero uma muito grande’, respondi, certa de que ele sabia que a minha experiência com surfe era zero. Sempre gostei do esporte, sigo o Gabriel Medina no Instagram (risos) e ando de longboard há 1 ano e alguns meses, o que suponho que me coloca em outro patamar nos quesitos equilíbrio e coordenação motora.

– ‘Quantas vezes você já surfou?’, ele perguntou, indo direto ao assunto.

– ‘Ah! Fiz uma ou duas aulas no Brasil, mas só isso’, menti. O aluguel da prancha custava  só 5 dólares, enquanto equipamento e instrutor tirariam pelo menos 45 dólares da minha carteira já vazia por causa do aumento da moeda nos últimos meses. Não queria perder tempo discutindo o que era ideal versus o que cabia no meu bolso.

Seco, o Mycka então pediu para um assistente trazer o tamanho 12 de prancha – eu quase fiquei tranquila. Já tinha visto o tamanho 11 nos fundos da loja e nem achei tão grande assim. ‘Vai ser sussa’, eu repetia na minha cabeça, ainda não muito certa. Foi aí que um loiro de boné verde trouxe o brinquedinho, que dava bem umas 3 Alines. Engoli o choro e, com a ajuda de uma amiga, arrastei-o para a praia.

Já na areia, mais mico: eu não conseguia, de jeito nenhum, levar a prancha para o mar. O pai de um garotinho teve que me ajudar. Eu sorri e disse um daqueles ‘obrigada’ exagerados, que você só diz mesmo depois de alguém salvar a sua vida. Amarrei a cordinha no tornozelo e entrei com coragem no mar. Sabia que eram duas as coisas que eu precisava fazer ali: deitar na prancha e ‘remar’ até um lugar bom para pegar uma onda. Meus braços magrinhos até que se saíram bem, eu tenho que dizer.

Eu e uma amiga, que topou entrar na brincadeira, ficamos uns 15 minutos só boiando no mar, sem saber muito o que fazer, mas curtindo a sensação de não ter com o que se preocupar enquanto a água vinha e o sol queimava. Foi aí que um loiro bonitinho de olhos verdes e prancha amarela apareceu do nada do nosso lado e puxou assunto:

– ‘Ei, vocês têm que deitar mais para atrás na prancha. Voltem só um pouquinho’, ele disse, rindo.

– ‘Assim?’, eu perguntei, deixando meu corpo deslizar pela prancha.

– ‘Só mais um pouquinho’, ele respondeu, rindo baixinho.

Sorri e agradeci mentalmente por alguém nos ajudar sem precisarmos colocar a mão no bolso.‘Viu, Aline? É destino!’, eu pensei. O nome do surfista era Kristian, com K mesmo. Ele tinha 27 anos, era natural de Los Angeles, na Califórnia, mas havia se mudado para o Havaí há 15 anos. Tinha uma aliança de compromisso enorme no dedo, mas não economizou nas gentilezas.

– ‘Ei, vocês querem pegar onda? Posso ensinar vocês, sem problemas. Quem é a mais corajosa?’, ele perguntou, com uma voz que – sério! – me lembrava a do Taylor Lautner.

Eu fui a primeira. O Kristian me ensinou que as braçadas devem começar quando a onda estiver chegando nos pés. Assim que atingirem a região das costas, você dá um impulso grande com o corpo e levanta na prancha. Fiquei uns 3 segundos de pé nela na primeira onda e ele se animou. Na segunda vez, o Kristian resolveu subir na prancha comigo para me ajudar na parte das braçadas. ‘Você ainda é muito fraquinha pra dar uma braçada boa’, ele falou, rindo e sorrindo de lado. Desta vez, peguei a onda toda. Me equilibrei bem, conduzi até a onda passar e pulei na água porque quis.

– ‘Wow, como você fez isso? Foi muito bom! Não acredito que você já conseguiu pegar a onda toda. Você foi ótima!’, ele disse, bem mais animado do que eu estava depois de engolir alguns litros daquela água salgadíssima.

A verdade é que eu já estava cansada do meu primeiro dia de surfe. Por isso, puxei ainda mais papo com ele, perguntando o que havia de bom para fazer na cidade. ‘Você quer que eu te faça uma listinha de lugares para ir? Vou deixar lá no seu hotel’, ele disse, todo simpático. Logo depois disso, contou que era surfista profissional e que já tinha até participado de filmes famosos. ‘De Hollywood e tudo’, disse. Assim que o Kristian me falou que tinha feito cinema, pensei que ele era um dos irmãos da surfista Bethany Hamilton, do filme ‘Soul Surfer’. A história gira em torno de uma garota que vive no Havaí e, num dia de surfe com os amigos, é atacada por um tubarão e perde o braço. Mas não era esse o filme que ele havia participado. Depois é que ele nos contou que participara de ‘Lords of Dogtown’. O nosso novo amigo pareceu ter percebido o meu interesse extra e resolveu ir embora. ‘Vou surfar um pouco, meninas. A gente se vê por aí’, disse.

Naquela noite – confesso! – fui checar na recepção do hotel pra ver se o Kristian tinha mesmo deixado as dicas de lugares para ir na ilha. E não, ele não havia deixado nada. Desencanei então. O cara devia ter milhões de coisas pra fazer e nem devia mais lembrar que conheceu a gente.

Na manhã do domingo, eu ainda não estava acostumada com a enorme diferença de horários entre Brasil e Havaí – são 7 horas. Acordei às 6 da manhã, enrolei na cama e ouvi uma batidinha na porta do nosso quarto. ‘Nenhuma camareira vem às 6 da manhã. Deve ser assalto’, bitolei. O hotel que ficamos era enorme mesmo e o restaurante com aquário dentro que citei no começo do post era liberado até para quem não era hóspede. Por esse motivo, qualquer pessoa tinha fácil acesso a área dos quartos. Esperamos a pessoa da porta ir embora e a abrimos rapidamente. No chão, uma caixa rosa com detalhes em azul bebê. ‘Leonard’s Bakery’ era o que estava escrito dela. Já trancadas no quarto 3666, no trigésimo sexto andar, abrimos a caixa e não, não encontramos um bilhete dizendo de quem era, mas encontramos 6 pães doces.

Eu sabia que aquele café da manhã especial vinha do Kristian. Quem mais mandaria pão doce – uma coisa tão portuguesa/brasileira – para o nosso quarto? Fiquei bastante impressionada. Apesar das minhas várias histórias com pessoas, poucas delas conseguiram me fazer sentir tão em casa em tão pouco tempo.

Encontramos o Kristian na praia no dia em que ele nos deixou café da manhã. Agradecemos bastante, conversamos bastante e depois fomos juntos para o Tiki’s, um bar com garçons simpáticos, Mai-Tais deliciosos (e fortes!) e música ao vivo. Pedi pra tocarem Jack Johnson e a banda tocou ‘You and Your Heart’, uma das minhas favoritas. Era o meu dia perfeito.

10 thoughts on “38. Kristian, o surfista que me deixou café da manhã

  1. Aiiii que amor esse Kristian.
    Adorei a história, que fica mais encantadora ainda se você ler ouvindo a musica do Jack Johnson.. Até parecia que eu estava lá.hahahahaha

  2. Oi Aline!! Tudo bom? Bem, totalmente por acaso eu achei seu blog. Hahahaha, me bateu uma saudade do meu intercâmbio que eu fiz em Santa Barbara e comecei a procurar no google informações sobre Isla Vista (AMO), e aí apareceu um post seu contando de uma festa que a sua roomate coreana tinha desaparecido.. Hahahaha. Nooossa, que saudade bateu! :/ Suas histórias muuito parecidas com as minhas. Até seu nível foi o mesmo que o meu (Upper Advanced 2, estudou na EF né?). Já fiz intercâmbio lá duas vezes; na primeira, passei um mês, na segunda, 2 meses. Quanto tempo você passou?? Nossa, sou louca pra voltar lá!! As pessoas também me marcaram muuuuito também.. Tudo igualzinho. Li seus posts e me senti lá novamente. Mas só a saudade que fica.. Beijao!

    1. Poxa, Carol! Que coincidência! Hahaha!

      Eu passei 6 meses por lá, então me apeguei demais mesmo. Já era minha casa aquilo ali. Voltei cheia de histórias na mala, mas com saudades que não cabiam dentro de mim. Fiquei meses fazendo de tudo pra voltar pra lá, até perceber que a minha vida é aqui mesmo.

      Bom saber que Isla Vista muda a vida de tanta gente! Lugar mais incrível pra conhecer gente desencanada não existe! :)

      Beijos e volte sempre!

  3. aiii que delícia de história. Quero e vou sair pelo mundo assim um dia, conhecendo pessoas assim…muito bom (:

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