54. Grazi, a camareira

Já passava das 7 da noite de um sábado quando a Grazi bateu na porta da nossa cabine pela primeira vez. Incrivelmente branca e de olhos bem verdes, ela vestia uma roupa toda fechadinha, que até me lembrava da mulher assustadora da Margo St. Como complemento ao look comportado, a moça tinha o cabelo preso em um desses coques que, só de olhar, já se vê o quão preso está.

– “Oi, meu nome é Grazi e eu sou a camareira de vocês”, disse ela, com a voz baixinha e pouco confiante. Era a Grazi que cuidaria da arrumação no 5542, no Deck 5, nos próximos 7 dias. Era ela que, todo dia às 20h30, deixaria a programação do navio no nosso quarto. E era ela que, aos poucos, se acostumaria a ouvir as milhões de histórias bizarras que eu e uma amiga tínhamos para contar das festas no navio (vide post 1 e post 2).

A Grazi tinha 28 anos de idade e era de uma cidade no interior do Rio Grande do Sul. Toda delicada, contou o que a gente já imaginava: que as roupas daquele jeito eram para não instigar, de nenhuma forma, o desejo dos tiozões e garotões que pagavam caro para dias de curtição na embarcação.

– “Uma vez, dois caras de uma cabine quase me arrumaram um problemão”, começou a contar a nossa camareira, com um sotaque gaúcho bastante carregado. “Eram dois. Um mais quietinho e um super pervertido. Eles viram parte da minha tatuagem nas costas e queriam porque queriam que eu tirasse a blusa para verem. Quando recusei, o mais safadinho deles disse que ia me reportar ao capitão do navio”, afirmou a gaúcha, com os olhos tão esbugalhados que parecia reviver a cena.

Depois do assédio dos garotos, a camareira do 5º andar não hesitou: bateu na porta do capitão e contou o que havia acontecido. O ‘chefão’ acreditou na versão da Grazi logo de início (quem não acreditaria naquela doçura de moça?), mas reforçou que se soubesse de algo que a comprometesse, daria uma advertência à ela.

– “O sistema aqui é bem rígido”, afirmou a Grazi, que já trabalhava no cruzeiro há 8 meses. “Você pode ter 3 advertências no total. Se pegar uma 4ª, é demissão quase que na certa”, disse.

Contar detalhes mais ‘secretos’ do navio era uma coisa que a nossa camareira fazia com bastante frequência. Até porque lidar com a minha curiosidade não é uma coisa tão fácil assim. Eu, por exemplo, quase não acreditei que o Capitão do navio não era o cara quem dirigia a embarcação. “Ele é quem dá as diretrizes. Têm peão pra fazer trabalho pra ele!”, ela riu. Também fiquei louca de vontade de invadir uma festa só dos tripulantes que acontecia nas madrugadas de terça no Deck 3. “Tem cerveja, mas não é assim que nem a de vocês, que são sistema all-inclusive. A gente paga por cada latinha”, ela contou, rindo, mas se mostrando levemente desanimada.

– “Então tá aqui nossa missão de amanhã, Grazi! Vamos trazer várias cervejas pra você beber e guardar no seu frigobar!”, eu disse, sendo apoiada por uma amiga.

O plano, claro, não deu certo. Cerveja tem que ser consumida na hora que sai do bar no navio e todas as latas são abertas antes de serem entregues aos passageiros. Até tentei usar a minha técnica “por-favor-não-abra-vou-levar-para-o-meu-pai”, mas eu já havia aparecido no bar meio grogue tantas vezes que o Henrique e o Felipe, meus barmans favoritos, já nem acreditaram nas minhas histórias.

Quando contei para a Grazi que falhei no plano ‘cerveja de graça’, ela ficou triste, mas eu percebi que aquilo não era o que mais a deixava chateada naquele dia. Sentada na cadeira da nossa cabine, a Grazi falou por alguns minutos sobre a sua vida pessoal. A nossa camareira revelou que namorava um búlgaro, mas que ele havia ido embora há 1 mês.

– “É difícil agora, né? A gente já morava na mesma cabine aqui no navio”, contou a Grazi. “Eu sinto saudade, mas no mês que vem o navio vai para a Europa e vou vê-lo de novo”, continuou.

A esperança da Grazi em rever o búlgaro me lembrou de quando eu, aos 16 anos, também tive meu romance a distância. Fica para um próximo post…

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