55. Daniel, o cara do whisky escondido na rua


Eu nem tinha bebido tanto e, mesmo assim, não fazia a menor ideia de como ou por qual motivo estávamos tão engajados numa conversa sobre plantações de maconha mundo afora. Era 8 de abril de 2013, minha segunda semana de férias em toda a vida, e eu comemorava o ‘não ter nada para fazer’ em um pub chamado Kelley O’Neil’s, em Honolulu, no Havaí.

– ‘Pega em qualquer lugar, pô! Eu plantei e a minha pegou! Pena que eu fumei a Chiquinha inteira’, disse o Daniel, fazendo com que todas as meninas da mesa gargalhassem sem parar.

Gosto de gente que dá nome a plantas. Tenho um amigo que batizou uma laranjeira, um conhecido que chama o eucalipto de Eugênio e já ouvi histórias de pessoas que levaram o amor pela roseira mais a sério (erm… melhor pular essa história!).

Nas mesas ao redor no pub, os vários rapazes olhavam para o Daniel sem entender como um cara tão ordinário era tamanho entretenimento para várias garotas. Passavam pra lá e pra cá para ir ao banheiro com a esperança de, quem sabe?, não entender algo da conversa.

O Daniel foi mais um desses acasos do destino. Naquele mesmo dia, enquanto andávamos por um shopping na Ala Moana Boulevard, conhecemos uma brasileira chamada Flávia, que morava no Havaí há 3 meses e nos convidou para sair para beber naquela noite. Como queríamos conhecer a ‘cena local’, topamos encontrá-la na casa dela e depois irmos para o bar. Depois de pegarmos um táxi com um motorista estressado que quase matou um cara no caminho, lá estávamos nós, confraternizando não só com a Flávia, como também com a roommate americana dela, a April.

Enquanto bebíamos e conversávamos sobre a vida no Brasil, o Daniel apareceu no balcão do pub, vestindo jeans apertado na medida certa para se encaixar na minha categoria mental ‘sexy’. Também usava camisa cinza da Abercrombie, gel no cabelo e um perfume que, sério!, deveria ser obrigatório para todo homem. Tinha sorriso torto, vivia mordendo a boca e levantando a sobrancelha, coisas essas que, unidas, davam todo um charme especial a ele.

Quando o Daniel viu a April, saiu correndo em direção à ela:

‘DUDE! IT’S YOU!’, gritou. Os dois se abraçaram e riram juntos por um tempo, falando em inglês de alguma piada interna que ninguém entendeu. Poucos minutos depois, quando percebeu que a mesa era de brasileiras, sentou e, todo animado, começou a conversar.

O Daniel era mineiro e tinha lá seus 20 e poucos anos. Era apaixonado por música e tinha uma banda dessas que toca em bar de açaí na Vila Olímpia (coxinhas, alô!). Morou sua adolescência quase que inteira em Nova York, onde aprendeu inglês e conheceu uma das ex-namoradas que mais marcou sua vida. Dava pra sentir que, no dia do bar, ele ainda não tinha esquecido totalmente a garota. É que quando nos conhecemos, o Daniel tinha recém mudado para o Havaí. Para sobreviver, fazia uns bicos aqui e ali. Morava agora com uns caras do exército numa casa que mais parecia uma mansão, há cerca de 40 minutos de Waikiki.

O Daniel era o típico cara com quem eu sou acostumada a fazer amizade instantânea: falador, divertido e um pouco intrometido demais. Gosto de pessoas que me fazem perguntas. E o Daniel era um desses caras. Depois de algumas cervejas e muito papo jogado fora, o Daniel disse que nos levaria até o nosso hotel. Eu tinha quase certeza que ele nos daria uma carona mas, quando ele andou mais de 2 quarteirões a pé, eu me toquei que a gente andaria mesmo –  e curti!

O caminho de volta para ‘casa’ com o Dani foi intenso. Ele parou em um bar de música ao vivo e, animado, disse:

– ‘Aqui tem uma banda que toca que é de um brother meu!’

Entramos no pub mal-iluminado e recebemos todos os olhares possíveis. Tudo para descobrir que, naquela noite, a banda do amigo do Daniel não tocaria. Um quarteirão depois, demos de cara com um carro branco com caras gigantes dentro, gritando palavras marginalizadas no melhor estilo GTA que eu já tinha presenciado. Os moços ‘malvados’ do carro pareciam ter armas carregadas e prontas para serem utilizadas. Tremi, claro.  Ainda no mesmo quarteirão, encontramos um casalzinho – ele tinha 19 e ela 17 anos. Eram recém-casados e, também, o motivo da ira dos caras do carro branco. Era tanta coisa acontecendo que eu mal conseguia acreditar que o Daniel estava tão tranquilo e seguro de si mesmo. Toda vez que falava com alguém, se mostrava gentil demais, descarregando sempre uma quantidade excessiva da palavra ‘bro’:

It’s ok, bro. Bro, I’m fine. No, bro, I’m taking them home. I’m not from here bro. Funny, bro. Have a nice one, bro.

Quando já estávamos bem perto do nosso hotel, o Daniel parou numa esquina.

– ‘Acho que foi aqui que eu deixei’, ele disse, pensativo.

– ‘Deixou o que? O carro?’, eu pergunte, curiosa.

‘Não, minha garrafa com whisky’, respondeu o Daniel, indo em direção a um canteiro de flores e procurando alguma coisa.

Eu ri, crente que aquilo era uma ceninha do Daniel para parecer louco-diferente-surpreendente-demais perto das brasileiras. Para o meu choque, o Daniel tirou uma garrafa de plástico do meio do nada alguns segundos depois.

Nas minhas férias, eu já tinha conhecido um israelense que me parou no meio de uma loja para perguntar se eu queria tomar uma caipirinha com ele, já tinha me apaixonado perdidamente por um bebê no meio da rua, já tinha recebido café da manhã de um surfista, já tinha sido paquerada por um tiozão em North Shore, mas ainda não tinha conhecido ninguém que escondesse bebida no meio da rua.

O Daniel bebeu um gole do whisky e continuou a nos levar para o hotel. Na hora de se despedir, nos convidou para beber no bar mais uma vez e prometeu dar um churrasco na casa dele. Quem sabe um dia, Dani?

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