66. O entregador que não quis comprar a carta


Saí do elevador olhando para a portaria e me surpreendi quando vi que, apesar de o Josenildo ter ligado avisando que a minha comida havia chegado, nenhuma moto se encontrava estacionada em frente ao meu prédio. Já era hora da novela e, mesmo assim, fazia um calor de 32 graus do lado de fora. Era, definitivamente, um dia de saia, de regata e de chinelo.

Apontei na entrada do edifício e logo dei de cara com ele, o entregador do meu restaurante favorito. Me surpreendi quando vi que o rapaz era praticamente o clone do Snoop Dogg, tanto na aparência, como na quantidade de baseado que ele aparentava ter fumado antes de aparecer em casa. Eu até tentei me controlar, mas “LA Here’s To You” não saía da minha cabeça. Quase fiz o “dougie”. Mas o que me deixou mesmo de boca aberta mesmo foi quando vi que, ao invés de usar uma moto, como todos os outros, ele tinha ido até em casa com sua bicicleta vermelha. Eu sou assumidamente sedentária, mas não conseguia imaginar como alguém aguentaria andar alguns quilômetros e bike naquele calor infernal.

– “Caramba, você veio da Augusta até aqui de bike? Poxa, tá de parabéns!”, eu disse. De tão fumado que o Snoop Dogg brasileiro estava, me pediu para repetir o comentário umas 3 ou 4 vezes. “A-u-g-u-s-t-a, d-e b-i-k-e, a-t-é a-q-u-i?”, eu repetia, devagarzinho e rindo.

Com o olho quase fechando, o entregador do meu restaurante favorito contou que se tivesse passado na carta de moto, já teria dado fim à bicicleta há muito tempo. “Mas passei não, moça”, o rapaz, de bermuda preta e camiseta amarela largadona, afirmou.

– “Pô, mas já tentou quantas vezes? Não é melhor comprar essa carta não?”

Foi só aí que o entregador pareceu se interessar na conversa:

– “Mas você sabe quanto tá pra comprar a carta de moto? Mais de R$ 800! Eu é que não vou pagar isso aí, os caras tão de sacanagem com esse preço. É que moça, eu não quero saber disso aí não. Passar nessa prova é meu orgulho. Eu vou passar nessa prova, você vai ver”, disse o quase-Snoop Dogg.

Peguei minha sacola de comida, dei “boa noite” e afirmei: “Aposto que da próxima vez que você vier aqui entregar comida, já vai estar de moto”. O entregador do meu restaurante favorito sorriu largo, montou na bicicleta e disse um “se Deus quiser, moça” bastante lento. Ainda não voltei a comer no meu restaurante favorito, mas quero saber se o entregador passou na tal prova.

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