78. André, que sentou num freezer e se achou o Pitt


Quando eu recebi a pulseira e o abadá do Bloco Monstro, que aconteceria no nosso 3º dia em Ouro Preto, e que tinha o Olodum como “headliner”, eu pensei que o tal evento mais pareceria uma micareta, com trio elétrico e cordões, do que um show, com palco e seguranças guardando o fosso. Nem precisa me olhar com muita atenção para perceber que eu não tenho nada a ver com esse tipo de rolê, mas se tem algo que eu aprendi nos últimos anos, esse algo foi parar de ser preconceituosa.

Por que não passar um Carnaval em uma cidade universitária? Por que não ficar madrugadas de papo com caras bem mais novos e, quase sempre, com pouca coisa a acrescentar? Por que não dançar axés famosos com desconhecidos? E por que não gastar todo o meu vale-refeição com vodca e energético baratos?

Eu pensei (mais de duas vezes, confesso!) em tudo isso, achei que poderia ser divertido e, então, quando chegou o grande dia, customizei minha regata amarela em tipo 3 minutos, coloquei meu short-verão-40-graus-mais-comportado e andei uns 20 minutos numa estradinha até chegar num espaço com containers de cerveja, ice e água espalhados por tudo quanto. E foi lá que conheci ele, o André, que estava sentado em cima de um freezer da Devassa com uma lata na mão.

O André era quase um clone de 2ª voz de dupla sertaneja antiga. Vestia short jeans manchado, camiseta desbotada e pulseirinha de coco no braço. Nada contra esse estilo, sério! – eu, vez ou outra, uso jardineira e “chinelinho de jesus”, sabe? Mas o problema foi que eu virei um bife pra ele. Uma picanha. Suculenta. Mesmo assim, vestindo sutiã 40 e short 36. Mesmo com o cabelo de Monange e sem chapinha. Mesmo com olheiras de quem não tinha luz boa para passar corretivo há 2 dias. Mas eu dançava. E dançava animadamente porque é isso que faço quando qualquer música começa a tocar e eu já tenha bebido alguns drinks.

O André ficou em cima do freezer por cerca de 15 minutos – e me comia com os olhos a cada dois segundos. Eu sinceramente não sei o que o André imaginava, mas morria de rir internamente só de olhar pra cara dele. O mineiro de Mariana, que depois me disse que estava acampando com os amigos numa pedra próxima dali, obviamente se achava o mais sexy do bloco. Sexy tipo Beckham posando para catálogo de cuecas. Sexy tipo Adam Levine com uma garrafa de Jack Daniels na mão e uma guitarra noutra. Sexy tipo Brad Pitt encostado em bar de pub paquerando umas mina. Sexy tipo Joseph Gordon-Levitt sem precisar fazer nenhum esforço.

– “Aline, olha o cara te olhando”, disse uma amiga, caindo na risada. Eu não estava nem aí, porque obviamente sou difícil-dificílima, e continuei jogando os braços pra frente com o batuque do Olodum.

– “Aline, é sério, o boy está te olhando como se fosse te comer”, disse outra amiga, me zoando. Dei uma olhada de leve e continuei a me achar “a” africana bunduda feliz. Tun-ti-ki-tu-ti-ki-tun-tun-tá.

Quando o meu amigo holandês também resolveu me alertar sobre o rapaz no freezer, já era tarde demais. O André tomou confiança e vinha em minha direção. Na minha cabeça, eu já amaldiçoava o universo. Foram exatamente 8 segundos até ele chegar:

“Puta que pariu, por que eu? Tanta menina linda aí e o boy do freezer mirou justamente em mim. É Deus falando que eu sou uma fodida mesmo. Só pode ser um recado dos céus, um aviso de ‘esquece, você não vai chegar nem perto de se relacionar com um cara gato, inteligente e divertido’. Vai tomar no cu, puta que pariu”.

Respirei:

– “Oi, eu não aguentei, tive que vir falar com você”, disse o André, de 25 anos. “Você é a mais linda daqui”, continuou ele, provavelmente imaginando que me colocaria num prato pra comer com arroz, feijão tropeiro e batata frita.

Eu respondi um “obrigada” e só. Eu estava morta de preguiça de ser simpática. Morta de preguiça de ter que continuar um papo por pelo menos 3 ou 4 minutos pra não parecer uma escrota que se acha. Tenho esse probleminha: não durmo tranquila sabendo que fui filha da puta com alguém.

O André falou algumas coisas e eu só sorri. Continuei minha dança até “Deusa do Amor” acabar e “Reggae dos Faraós” começar. Fingi que aquela era a minha música favorita da banda, música da minha vida, sabe?, e comecei a gritar, pular e dançar para um lugar afastado. Foi assim meu mini-perdido no André.

O mineiro de Mariana ficou sem graça, sentou no freezer de novo, mas continuou abismado com a minha alegria. Não deu 5 minutos pra pegar na minha cintura e dizer um “não estou aguentando, preciso te beijar” com voz de quem precisa transar. O empurrei pra longe, mas ele provavelmente achou que aquilo era uma dança do acasalamento e voltou. O empurrei de novo e resolvi ser o que eu juro que não sou:

– “Você precisa mesmo é sair da minha frente agora, meu filho”, gritei.

André, não vou pedir desculpas pelo fora e nem vou deixar de dormir por causa disso. Eu não queria te pegar, era óbvio. Eu só queria mesmo ter a chance de te reencontrar pra te dizer uma coisa: pouca gente fica bonita e sexy sentada num freezer.

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