79. A senhorinha que eu serei daqui alguns anos


Saí rindo alto de uma loja de lençóis do shopping perto de casa. Como nova dona de casa, eu já tinha me chocado e me acostumado com o preço alto dos sacos de lixo, dos rolos de papel higiênico e – pior!do salame na cidade grande. Mas, até então, não tinha passado pela experiência “comprar acessórios de cama de casal” sozinha (obrigada, mãe, pela ajuda nos últimos meses!). Deve ser por esse motivo que fiquei tão confusa na hora de escolher o meu pedaço de pano para cobrir colchão do Herchcovitch, que estava com uma promoção incrível de 30% somente naquele dia.

Cama padrão? Cama queen? Cama king size? Mas qual a porra da diferença disso tudo? Affff.

– “A queen é a menor depois da cama padrão. Depois vem a king, moça”, disse um atendente todo solícito e sorridente, sem eu nem precisar dizer muita coisa. Era tão óbvio que aquela era a minha primeira vez fazendo isso…

– “Acho que a minha é queen então. Eu tenho um edredon daquele queen ali, mas ele é grande demais pra minha cama. Sobra dos lados…”, eu retruquei, ainda meio tapadinha.

“Se está grande é porque sua cama é padrão e não queen”, ele respondeu, rindo. “Vem cá que vou te mostrar uma cama padrão pra você ver se é parecida com a sua”, ele disse, me mostrando uma cama idêntica a que eu tenho no meu apê.

– “Ai, deve ser essa mesmo. Que difícil fazer isso! Eu tenho uma cama box, já deveria ser informação suficiente, não? Agora tenho certeza que esse mundo moderno e cheio de especificações realmente não é pra mim”, eu disse, rindo confusa e fazendo gargalhar todos os outros 3 vendedores da loja. “Que bonitinha essa burrinha confusa com lençóis”, devem ter pensado na hora.

Paguei a conta e, com minha sacola e meu novo lençol branco e sem graça em mãos, eu já poderia fazer o que eu desejava fazer desde as 2 da tarde, mas ainda não tinha tido a oportunidade: almoçar. Já passava das 8 da noite e eu até tinha pensando em mandar um arroz à grega para o peito na praça de alimentação, mas a ideia de comer algo bem mais gordo me atraía muito mais. Colei no balção do Mc Donalds, no piso térreo do shopping e, olhando pro atendente Diego, que sempre usa calça apertada demais para o tamanho de bunda dele, disse:

– “Me vê um cheeseburger, uma batata grande e uma coca enooorme, de preferência, moço”.

O pedido saiu de tão boca cheia que, eu tenho certeza, ele me achou esfomeada demais e resolveu me trollar. “Aff, menina louca. Vai esperar mais só por ser feliz enquanto eu trabalho que nem um condenado aqui atrás”, ele deve ter repetido mentamente.

Um, dois, três pedidos e nada do meu, tecnicamente o mais simples deles. A fome era tanta que eu só tinha uma saída: esperar pacientemente até que o meu lanche, cheio de picles deliciosos, chegasse até mim. Foi quando uma senhorinha baixinha e já meio concurdinha, coisa da idade, chegou para fazer seu pedido.

– “Uma batata grande”, ela disse, com a mesma voz sedenta que eu tinha naquela noite, mas com o volume reduzido obviamente por causa de sua idade.

Olhei para a vovózinha de uns 75 anos, que tinha os cabelos lisos, braquinhos e sedosos, e que vestia um casaco alaranjado com bolsos quentinhos, e achei a cena engraçada. Na minha longa experiência em filas de fast-food, eu devo ter visto vovózinhas sozinhas, sem netinhos, no restaurante no máximo uma ou duas vezes. Minha única avó viva, por exemplo, mal come fora. E se eu sugerisse essa opção, ela provavelmente diria para irmos a um restaurante bem mais “arroz e bife” mesmo.

– “Batataaaa grandeeee e cheeseeeeebuuuurguer. Cocaaaaa grande. Pra aaaaagora”, gritou, além do normal, a atendente que parecia ter saído de “Todo Mundo Odeia o Chris”.

– “É meu!”, eu respondi, ironicamente copiando a entonação de voz dela (eu sei ser bem irritante na maioria do tempo).

Peguei minha bandeja com informações da Copa (vai ter Copa sim!) e me diriji ao móvel com a máquina de ketchup. A senhorinha veio, com sua batata grande, atrás de mim. Antes de encher meu potinho, olhei bem nos olhos dela, que brilhavam de forma além do normal. Eu parecia ter entrado em um túnel – é sério! – e foi como se um filme passasse pela minha cabeça: provavelmente eu seria igual a ela daqui uns anos. Independente, movida a vontades (mesmo que bem não saudáveis e um pouco perigosas para a idade) e com os mesmos olhos brilhando por coisas que, daqui uns anos, serão ainda mais bobas e comuns. Eu me vi sozinha na praça de alimentação daqui uns anos, mas eu me vi feliz. Eu me vi corcundinha com a mão cheia de batata frita na mão, sorrindo ao ver os jovens devorando números 1 com coca grande…

Entreguei meu copinho de ketchup para a senhorinha antes de pegar um para mim, e ela disse um “obrigada” todo fofo. Sentei na mesa e, mesmo faminta, comecei a escrever esse post. Torci para a pessoa de número 1001 só chegar quando eu estiver uma idade bem mais avançada. Assim eu vou poder contar pra vocês que sim, eu virei a senhorinha legal que conheci aos 26 anos na fila do Mc Donalds.

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