82. Seu Tenório, um tremendo de um filho da puta

Pensei que estava num pesadelo quando, às 7h30 da manhã da minha primeira semana de férias, um carro de som alto demorou a ir embora da rua da casa dos meus pais, que fica no extremo leste paulista. Aqui é normal veículos passarem pra lá e pra cá com rádios no último volume e seus donos, animados, cantando hits duvidosos em bom som. Quando não é a música do “ela corre na areiá da praaaia e bate com o bumbum na água”, é o “lepo lepo”. Quando não é o Lucas Lucco, é o João Neto e Frederico. Periferia, sabe como é! Falta o dinheiro, mas a felicidade não. E o que faltou mesmo na minha manhã foi sono. Com um alto faltante em mãos, um trabalhador chegou na frente do pátio de obras de um metrô que vem sendo construído na frente do “templo da felicidade” em que vivi por 24 anos e anunciou:

“Viemos porque esse puxa-saco do Tenório anda desrespeitando muita gente”, disse, meio que sem firmeza na voz, um dos funcionários. Depois, repassou o microfone para outro rapaz, que continuou o discurso.

“O sindicato não vai admitir que alguém que já foi peão igual a todos vocês os trate mal. Estamos entrando em greve!”

Naquele momento, eu sabia que São Paulo tinha mesmo virado um caos. Eu, que antes de viajar de férias resolvi descansar ao lado da minha família, nunca imaginei que até aqui isso chegaria. Juro, é longe…

“Sei que tem muita gente aí comendo ainda, mas venham todos pra fora. Esse seu Tenório não tem vergonha na cara. Ele era igual a vocês… Peão! Acordava 3 da manhã pra estar na obra às 4h. De segunda a segunda! Vocês acham certo ele estar descendo o chicote em vocês agora?”, perguntou o sindicalista de sei lá qual sindicato.

O coro de ‘não’ era evidente e, apesar do mau-humor que me dominava, resolvi ver o que acontecia com os meus próprios olhos. Me arrastei até a janela mais próxima e, pelas frestas, vi uma multidão de jovens rapazes com suas camisetas coloridas da Hollister e Abercrombie.

O Seu Tenório estava na obra, mas, aparentemente, não se atreveu a dar as caras.

– “É um tremendo filho da puta. Se ainda tivesse estudado pra chegar onde chegou! Mas ele é igual a vocês! Vocês acham justo ele estar ganhando 13,452 reais?!”, voltou a dizer a voz.

E mais uma vez o coro que me incomodava…

“Esse Tenório é um tremendo de um filho da puta”, disse a voz, aclamada pela obra.

Seu Tenório podia ter aparecido e acabado com toda a movimentação humilhante, afinal, onde já se viu chamar o chefe de “filha da puta” na cara dele? Mas o ex-peão deve mesmo é ter ficado pensando em como aqueles caras nunca chegariam aos seus 13 mil mensais com tanto argumento falho. Não sei quão “filho da puta” o Seu Tenório é e acho que pedir reajuste salarial está tão na moda quanto as camisetas da Hollister e Abercrombie, mas sei que na moda mesmo está essa gente ignorante, que pensa que peão tem que ser peão pra vida toda.

 

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