88. Carol Férres, a ‘pintora’ do Rio Pinheiros


Carolina Ferrés
, de 38 anos, não passava por um bom momento quando teve a – incrível – ideia de fazer uma galeria de artes às margens do Rio Pinheiros, em São Paulo. Havia acabado de se separar do marido, com quem ficou 8 anos casada, e só queria mesmo sentir o ar puro no rosto. Vestiu uma roupa confortável, pegou sua bike (que é sua paixão desde sempre) e pedalou ciclovia afora. Nesse dia, chegou a duas conclusões: que aquele espaço era um de seus lugares favoritos na cidade e que era a sua missão pintá-lo com mais ‘vida’ e com mais cor.

Natural de Montevidéu, no Uruguai, Carol se mudou para o Brasil com os pais aos 7 anos de idade. Filha de agrônomo, passou a infância pulando de cidade em cidade no interior de São Paulo.

“Meus pais vieram meio que a contragosto pra cá. Eles faliram no Uruguai e resolveram tentar a vida no Brasil. Tiveram uma empresa de exportação de matéria prima. Meu pai adorava ser agrônomo. Hoje em dia, mais velho, ele tem um projeto lá no Uruguai que visa transformar esgoto em adubo e em gás. É interessante essa coisa. Nós sempre tivemos essa coisa em casa: de olhar e ver o que dava pra fazer para melhorar”, lembra ela.

Carol cresceu em meio a natureza, mas demorou a ‘se encontrar’ nessa área. Se formou em Desenho Industrial pela Unesp de Bauru, e se mudou, há doze anos, para São Paulo para trabalhar em editoras – passou pela ‘Arquitetura’, ‘Claudia’, ‘Trip’, entre outras publicações. Apesar do emprego fixo e dos freelas como designer, começou a perceber que seu lugar talvez não fosse ali, de frente para o Photoshop. Em 2010, deu um grande passo.

“Parei de trabalhar há 4 anos em editoras. Foi aí que comecei a me aventurar com essas intervenções em espaços públicos. Comecei vendo umas coisas que não gostava no quarteirão da minha casa. Muitas coisas incomodavam bastante. E aí resolvi dar um jeito de melhorá-las”, orgulha-se.

A primeira experiência de Carol com intervenções foi no parque ao lado de sua casa, o Parque das Corujas, na Vila Madalena. A designer se juntou com o coletivo Acupuntura Urbana e conseguiu desenvolver, às margens do Córrego das Corujas, uma galeria de arte e um mini pomar.

“Esse projeto foi legal porque nos reuníamos com as pessoas do bairro o tempo todo para entender o que elas queriam. Foi um trabalho intenso de mapeamento. Ficamos cerca de um ano participando dessas reuniões com os moradores para entendermos melhor o que eles esperavam de um espaço público”, conta Carol.

O projeto repercutiu na mídia. As boas intenções de Carol, porém, acabaram mal interpretadas – mas a ativista culpa a si própria pela confusão. Tudo porque, como ela mesma diz, ela teve a “infeliz ideia” de nomear o lugar como “Praia das Corujas”. Isso não agradou em nada a vizinhança.

“Acharam que se chamássemos aquilo de praia, ia virar um caos. Que todo mundo ia começar ir para lá para conhecer a tal praia e que o bairro viraria uma bagunça. Mas esse erro nosso na divulgação do projeto também serviu para que eu começasse a entender em que pé nós estávamos em questão de espaço público e em questão de convivência”, afirma. “Percebi que a gente é muito individualista aqui em São Paulo. Aquela repercussão toda me fez sentir estranha. As pessoas estavam com medo do que aquilo ia virar. O medo imperou e não deixou que continuássemos a mudar um espaço”, completa.

Mais experiência estava por vir. Em 2012, Carol investou em outro projeto, o ‘Quadra Amiga’. A ideia era escolher uma quadra como limitação e trabalhar para fazer daquele um lugar melhor.

Mais vizinhos. E mais conversa.

Carol fazia pesquisas com os moradores dos bairros participantes do projeto e descobria quais mudanças eles gostariam de ver acontecer. E descobriu algumas muito simples, que foram feitas com a ajuda de algumas pequenas incorporadoras das regiões trabalhadas: “Instalamos bancos, fizemos grafites na calçada. Também fizemos lixeirinhas e porta jornais. Todas as ideias eram desse tipo”.

No ano passado, a uruguaia também se aventurou com projetos como o ‘Almoço na Praça’ e o ‘Vem Pro Edite’, ambos com foco em praças. E ambos como uma espécie de boost para o seu currículo novo.

“Tudo isso que fiz foi só uma espécie de teste para mim. Quando eu saí do meu emprego, a ideia era de que isso, de intervenção, virasse um trabalho, uma espécie de produção cultural. Mas ainda não é uma profissão. Tem uma galera que está falando bastante de place makers. As pessoas querem trabalhar disso, mas ainda não sabem como fazer. Aí vira um pouco de ativismo”, afirma.

No domingo, dia 7 de dezembro, Carol estreia mais um projeto, desta vez o que mais a fez sentir realizada desde que largou o emprego como designer para se dedicar à intervenções em espaços públicos: o Viva Rio Pinheiros. A ideia de Carol é ocupar a lateral do rio com artes gráficas. Serão 8 artistas, entre grafiteiros, designers e artistas plásticos colorindo as paredes e os pilares entre a ponte do Jaguaré e a Vila Olímpia.

Para que o Viva Rio Pinheiros, que começa agora e se expande em 2015, saísse do papel, 96 pessoas e 4 empresas parceiras (Urban Arts, Liv, Salus e SuperInteressante) colaboraram para que o valor de R$ 16.675 fosse arrecadado no Partio, um site de crowdfunding cultural. “Gosto desse projeto porque finalmente poderemos ter algo maior, mais consistente, que dure mais tempo. Tudo o que fiz antes acabava assim que eu estava começando a pegar o jeito da coisa, assim que eu começava a entender melhor o processo. Com o Viva Rio Pinheiros teremos mais tempo para fazer tudo o que queremos”, diz.

A motivação de Carol foi levar as pessoas para perto do Rio Pinheiros e, assim, começar a causar nelas um olhar diferente em relação a ele. “Queria mudar essa coisa de que rio é uma coisa morta, que não tem jeito e queria fazer com que as pessoas tivessem vontadde de colaborar para que o rio voltasse a viver com abundância”, conta.

Com um projeto que visa aproximar pessoas de espaços ‘esquecidos’ e ‘maltratados’, Carol quer causar impacto nas nossas decisões. Para isso, não deixa de acreditar que a consciência do ser humano em relação a natureza vai mudar.

“Essa lógica de jogar o lixo na água não faz sentido. São Paulo surgiu dos rios e nós acabamos enterrando boa parte deles com lixo. Eu acho que uma hora a gente vai ver o que fez com os rios e esse movimento de cuidar deles vai crescer. Não quero acreditar que seja só eu que estou interessada nisso. Tem muito projeto de cidade, muita gente pensando igual. Se todo mundo se unir, a gente consegue mudar muita coisa”, se empolga.

Numa troca de mensagens com um amigo, Carol definiu de forma mágica a relação do ser humano com a natureza.

“Gosto de fazer uma analogia de quando começamos olhar a nossa sombra: no início parece horrível, a gente descobre que não é assim tão limpinho, que a gente faz muitos cocôs pra todo lado na nossa vida. E, como a gente não quer encará-los, a gente esconde, finge que não vê. Mas eles estão aí, e não é porque a gente não vê que eles não existem. Pelo contrário, acabam prejudicando muito mais a nossa vida. E uma hora a coisa toda explode, porque fomos acumulando, acumulando… Como fazemos com o nosso cocô que vai pro rio. Pra não encarar o problema, jogamos justamente aonde nasce a vida: a água, os rios – e assim, matamos a nossa própria existência .

Mas, apesar do mau cheiro, o cocô – assim como a nossa sombra – pode ser muito bem aproveitado, se a gente descobrir pra que ele serve. E serve pra muita coisa! Já viu como funcionam os biodigestores? Além de fazer o cocô virar adubo, eles geram energia. Mas esse tipo de reforma depende de todo mundo, não só do governo. Essa é a parte mais difícil. Porque os bairros deveriam se organizar para exigir ETEs (estações de tratamento de esgoto). Os prédios deveriam se preocupar com isso, e por aí vai. Mas é pra isso que estamos aqui, afinal. Pra evoluir como espécie e como grupo.”

Leia a matéria no site do Projeto Draft.

2 thoughts on “88. Carol Férres, a ‘pintora’ do Rio Pinheiros

  1. Que legal ler a história da Carol. É interessante notar que ela faz uma coisa incomum: vai até uma comunidade e trabalha junto com elas, já que ninguém melhor que as pessoas que vivem em determinado perímeto para opinar. Acredito que ações assim são ricas e inspiradoras.

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