94. Owen, a melhor pessoa nascida numa sexta 13

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Saí do hospital com os olhos marejados. Eu não conseguia acreditar no que ouvira no consultório. Uma semana antes, eu voltava para casa do trabalho quando, de uma forma assustadoramente bizarra, consegui bater os dedos do pé em uma quina de calçada. O ‘chute’ sem querer trouxe consequências que eu gostaria de esquecer.

– “Consulta de retorno, né? Você já está há uma semana em casa com o dedo imobilizado, vamos ver seu pé!”, disse, animada, a médica, que podia muito bem estar num filme de tão longe do estereótipo que era.

Ela tirou as fitas no meu dedo com uma tesoura e começou a apertar várias partes dele para ver se a dor, que me impossibilitou de colocar o pé no chão durante dias, tinha passado.

“Eu senti uma melhora nos últimos dois di…AAAAAAAH, DOEU MUITO”, eu gritei.

O médico com quem eu havia passado anteriormente me pediu um raio-x, mas no exame não saiu fratura nenhuma, apesar do meu dedinho do pé ter ficado todo preto e cheio de hematomas horríveis. Ele desconfiou de uma fratura oculta. A nova médica também. E, nesta sexta-feira 13, lá fui eu de novo para a sala de raio-x.

– “Bom, eu consigo ver algo diferente aqui onde você mostrou que está doendo”, disse ela observando atentamente as placas pretas do exame.

– “Quanto tempo?”, eu brinquei, crente de que não, eu não ficaria mais tanto tempo de molho.

“Quatro a seis…”, ela começou. Antes mesmo de esperar que completasse a frase, suspirei aliviada. Quatro a seis dias? Poxa, que bom que era só isso. “Quatro a seis semanas”, ela completou.

E meu mundou caiu. Eu não aguentava mais ficar em casa, não aguentava mais trabalhar de pijama, não aguentava mais jogar Mario Kart nos intervalos dos compromissos, não aguentava mais ver os programas da tarde. Eu tinha planos antes disso tudo acontecer: queria entrar na aula de boxe e na aula de hip hop, escrever do parque aos domingos, aprender a brincar direito no meu slackline…

Peguei meu laudo médico, meu novo atestado e fui para casa desacreditada. Não fiz questão de segurar o choro no elevador. “Não é drama, é chateação”, pensei, olhando para a câmera imaginando a cara do porteiro ao me ver desmanchando. É que quando a vida começou a ficar incrivelmente legal, uma quina de calçada apareceu no meu caminho.

Abri meu Facebook pronta para reclamar. Afinal, por que não reclamar da sexta-feira 13? Foi quando vi a mensagem do Owen na timeline:

“Nasci numa sexta-feira 13. Minha mãe sempre me disse que nascer numa sexta-feira 13 significa sorte para a pessoa que nasce. Eu sempre pensei que ela estava inventando, tipo quando mães insistem que você é talentoso ou bonitão, etc. Mas parece que é verdade!”.

Com o texto, o Owen compartilhou um site que explicava que, em várias culturas, nascer numa sexta 13 é sinônimo de sorte. Eu até tentei ler o link publicado, mas me perdi no caminho. Meus pensamentos voltaram para lá longe, quando conheci o Owen.

É doido. Eu conheci o Owen um ano antes de ele me conhecer. Antes de embarcar para a Califórnia, fiz uma pesquisa enorme sobre intercâmbio. E quando decidi me inscrever no curso de línguas da EF, naveguei por horas no YouTube para achar vídeos de pessoas que estavam lá, que pudessem me dar uma noção mais visual da coisa. Encontrei esse e, de cara, me apaixonei pela pessoa que Owen era. Contei os dias para chegar na cidade e conhecê-lo. E, de novo, meu feeling não falhou: ele era, realmente incrível.

O Owen nasceu em Kingston, na Jamaica, e foi morar na Califórnia quando ainda era um moleque. Se apaixonou, com o tempo, por violão e, eu acho, que o violão também se apaixonou por ele. Owen virou professor de inglês para complementar a renda, mas nem parecia que esse era um trabalho ‘extra’ dele – nem que ele passava madrugadas e mais madrugadas cantando e tocando nos bares da cidade. Nos dias seguintes as apresentações, lá estava ele: o primeiro a chegar na sala, com o violão na mão, pronto para usar o instrumento para melhorar qualquer situação (até mesmo as de ressaca intensa que a gente tinha).

Bonito, gentil, simpático e talentoso, o Owen era o mais popular da escola. Vivia rodeado de alunos, até mesmo quando nem estava na sala de aula. Era visto jogando ping-pong com a galera, batendo papo com as meninas da recepção, treinando músicas no lobby e desviando de várias tentativas frustradas de garotas de 18 anos de ‘chegar mais perto’. Owen tinha tudo o que uma pessoa bonita por dentro e por fora tinha, e isso atraia muita gente, mas ele tinha também um par romântico, que compartilhava de tudo com ele. As fotos de Owen com a esposa eram lindas!

Dias antes de eu ir embora, consegui me aproximar do Owen sem muita gente interrompendo. E aí, como essas menininhas fãzinhas todas, eu engasguei. Eu queria ter dito o quanto eu desejava que ele tivesse o maior sucesso do mundo na música – e o quanto ele fosse o cara mais feliz do mundo, mas não consegui. Ao invés disso, perguntei um “qual é mesmo o nome da sua banda?”.

Eu nem precisava ter perguntando aquilo. Eu já sabia. Assim como já tinha decorado, também, a letra de uma das minhas músicas favoritas escritas por ele – essa! Também nem precisava desejar coisas boas colocando palavras para fora. Hoje, o Owen vive do sonho dele. Viaja os Estados Unidos todo apresentando o que gosta. E não há sexta-feira 13 que o tenha atrapalhado. Quanto ao meu dedo… Acho que terei mais tempo para escrever aqui, viu?

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