6. Lucas, um mano da ZL

Na foto, ao meu ver, uma mina com visão de mundo (ou não)

Já passava das 10 da noite de uma sexta-feira quando resolvi desembarcar no Parque D. Pedro. O ponto do ônibus 3141, com destino a zona leste de São Paulo, estava quase vazio. De longe, vi um moreno baixinho, com camiseta preta e bermuda jogada. Só quando cheguei perto é que percebi: seus olhos estavam completamente vermelhos. Na minha cabeça, só veio uma coisa, por incrível que pareça: “Ele deve estar com conjuntivite”.

(Porra, Aline! Porra, Aline! Porra, Aline!)

Quinze minutos se passaram e o ônibus não chegava. Apesar de os meus fones de ouvido me distrairem levemente, passei a reparar um pouco mais no comportamento agitado e desconfiado da única pessoa na minha frente na fila. Inquieto, ele me perguntou a hora. Tirei meu iPod do bolso:

– Uhm… Deixa eu ver. São 10h25.

O cara, que parecia ter lá seus 21 anos, nem disse “obrigado”. Ficou olhando pro aparelhinho com uma cara estranha que eu reconheci talvez de… ahn… uma outra vez que fui assaltada. Mantive a calma e, como um toque de mágica, o busão chegou. Ufa.

O moço perturbado da minha frente entrou assim que as portas se abriram. Eu segui atrás. Ele passou pela catraca e me esperou pra ver onde eu sentaria. “Puta que me pariu, agora fodeu. Tchau, iPod. Tchau, celular. Tchau compras (eu voltava do shopping). Tchau, vida!”, pensei, sem disfarçar minha cara de desespero.

Sentei num banco duplo no meio do ônibus e, apesar de todos os outros lugares estarem desocupados, o moreno da fila sentou ao meu lado. “Puta que pariu, vou me mijar, caralho”, desesperei de novo em pensamento. O ônibus deu partida e o rapaz começou a conversar:

– “Tá calor, né? E o ônibus demorou pra chegar”, disse, olhando para o meu fone com um interesse estranho.

Naquele momento, eu já estava me conformava parcialmente que não chegaria em casa com muitos pertences. Mas, como não costumo desistir das coisas facilmente, bolei uma estratégia: virar amiga do cara, assim ele vai ficaria com dó de levar alguma coisa. E rolou.

– “Pô, demorou mesmo. Fode a gente, que trabalhou o dia inteiro, né?”

Achei que a palavra “fode” poderia dar um clima mais legal ao papo. Ele riu e começou a contar que trabalhava num restaurante japonês na Alameda Santos, pertinho da Paulista. Apesar de ainda estar assustada, resolvi me fingir de relaxada e entrar no papo.

– “Qual o nome do restaurante? O que você faz lá? Você não tem noção do quanto eu amo comida japonesa!”, disse tudo isso da boca pra fora. Eu odeio comida japonesa. Odeio de verdade!

Descobri então que o nome do rapaz era Lucas. Ele perdeu toda a marra que tinha no ponto de ônibus e começou a falar qual era a sua rotina no trabalho. Disse que era responsável pelo estoque e que, às vezes, tinha treta lá porque alguém deixava os peixes caírem no chão. Comecei a fazer perguntas aleatórias até o Lucas querer mudar de assunto.

– “Mas e aí? Você namora?”. TCHANAM. Aquela pergunta que você odeia responder.

Inventei uma história rápida que nem deve ter colado:

– “(Risos) Namoro sim. Estou namorando há três meses com um cara do sul. Ele fica mais lá do que aqui”.

O Lucas pareceu chocado com o meu relacionamento à distância de mentirinha. “Mas vocês não traem?”, “Vocês não sentem saudades?”, “Você já quis ficar com outro cara aqui?”, perguntou assim, tudo de uma vez. Eu respondi todas essas perguntas inventando uma história nova pra cada uma. Achei que seria divertido, sei lá. O rapaz então partiu para uma questão que me pegou de surpresa:

– “Mas se vocês namoram há 3 meses, por que ele ainda não te deu uma aliança?”

Falei que éramos um casal liberal e sem rótulos – tudo aquilo que odeio em um relacionamento – e consegui enganar o Lucas, que começou a contar de seus amigos. Com os olhos vermelhos, começou:

– “Sabe Aline, meus amigos fumam maconha pra caralho e se drogam muito, mas eu não faço isso não”

Forcei minha cara de crença e interrompi o papo que ele com certeza iria continuar:

– “Ah, Lucas. Eu não vejo problema nenhum em quem fuma maconha”, falei. Com um tom de voz um pouco mais convincente, continuei: “Pra mim, o importante é nunca fazer mal pra ninguém”.

O Lucas quase pulou de alegria nessa hora. Finalmente alguém que o entendia? Não sei. Só sei que o ponto dele era antes que o meu e já era ali. Ao se despedir, Lucas disse:

– “Tenho que ir, mas sabe Aline? Você é mó mina com visão de mundo. Se você não namorasse, eu te chamaria pra comer um dog!”

E foi isso.

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