12. Franciane, a amiga mais forte que eu já tive


Vi o pai da Franciane jogando bola com os dois irmãozinhos mais novos dela num domingo à tarde, no campinho em frente a casa em que morei durante os últimos 24 anos. Sem camisa, os garotos, que têm diferença de um ano de idade apenas, corriam felizes pra lá e pra cá.

Do outro lado da rua, sentada na calçada, a Fran, como nós a chamávamos, observava tudo com um sorriso enorme no rosto. Franciane era morena, tinha o cabelo bem encaracolado e adorava a cor roxa. Regata, saia, vestido, meia…Tudo roxo. Os garotos da rua a apelidaram desde cedo de ‘Ronaldinho Gaúcho’ – ela de fato lembrava um pouco o jogador –, enquanto as garotas mais velhas, cheias de problemas da adolescência, a esnobavam simplesmente por não entenderem como ela era tão feliz, tão iluminada.

A Fran era a minha melhor amiga. Apesar da nossa diferença de idade – era de 5 anos -, ela foi a mais fiel e mais importante da minha vida. Aos 13, montamos até um “Clube das Amigas” onde cada menina da rua ganhava pontos toda vez que se mostrasse confiável e verdadeira. A Fran levava todos. Achá-la especial era normal entre a gente.

Lembro de um dia de ventania na calçada de casa. Ela observou os carros passando na grande avenida a nossa frente, se aconchegou na blusa de frio e fez uma confissão. ‘Eu acho que tenho o poder de adivinhar as coisas’, disse. Eu só ri e pedi pra ela me mostrar um truque. E por um bom tempo eu acreditei que ela realmente adivinhava tudo. Ela sempre me falava a hora exata em que meus pais voltariam do shopping, dizia quantas vezes a bola cairia no quintal da vizinha enquanto jogávamos vôlei  na rua e até acertou que ganharíamos a Copa do Mundo de 2002, contra a Alemanha, por 2 a 0. Nesse último caso, por causa de uma aposta que fizemos, tive que dar R$ 2 pra ela. Feliz com as previsões, Fran passou dias comemorando.

Foi só quando completei 14 anos que começamos a nos afastar. Minha rotina estava super corrida e a dela também.

Aquele dia do pai de Fran no campinho foi o último que o vi. Foi questão de três ou quatro dias para ele ser diagnosticado com pneumonia, pegar uma infecção no hospital em que estava internado e falecer. Fiquei arrasada. Mal consegui ir ao velório. Não entendia como, do nada, Deus resolvera levar um marido tão trabalhador, pai de três filhos, embora.

Depois da morte do pai da minha melhor amiga, nosso contato ficou ainda mais raro. Eu tinha acabado de mudar para uma nova escola e nossos horários não batiam. Eu estudava das 7h às 13h e ela das 15h às 19h. Nos víamos pouquíssimo. Fiquei até surpresa – e ainda mais triste – quando minha mãe chegou com a notícia de que a mãe dela havia morrido. Menos de um ano depois da morte do pai, a Fran também perdia a mãe, que não suportou a dor de ficar sem o marido e caiu em depressão desde então.

Lembro de chegar no velório da mãe da Franciane e encontrá-la frente ao caixão desconsolada. Ao me ver, ela só sorriu e esperou que meus braços a abraçassem. “Estou sempre aqui para o que você precisar”, eu disse, baixinho. Ela sorriu de novo e sussurrou o obrigada mais sincero que eu já ouvi.

Pensei que a Franciane iria pelo mal caminho, confesso. Não conseguia imaginar como uma menina tão nova se reergueria de um golpe tão duro como esse. Passei dias pensando no que seria dela e dos dois irmãozinhos pequenos, mas o tempo acabou mostrando que recomeços podem ser difíceis, mas acontecem o tempo todo. Depois da morte dos pais, a minha amiga se mudou do bairro e vinha raramente visitar. Eu pouco sabia da vida dela. Perdemos totalmente o contato.

Num desses dias, porém, a Fran me adicionou numa rede social. No álbum, fotos com os irmãos, agora crescidos e superbem cuidados, com o marido (ela casou e eles parecem superapaixonados!)  e com a filhinha fofa que teve. Mas o que me deixou tranquila mesmo foi o sorriso, que eu tanto admirei na infância, estampado no rosto dela. Estava ali mais uma vez e brilhava como nunca.

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