‘Tia, você tem um real para me dar para eu pode voltar para casa?’, perguntou um garoto de uns 11 anos que veio na minha direção assim que eu desci do ônibus elétrico no meu ponto de sempre. Era uma noite de muita ventania em São Paulo e eu vestia meu casaco listrado da liquidação da Zara e meu all star branco de cano médio, todo sujo e quase sem sola. Meu iPod Nano, que me acompanhava desde 2006, tocava ‘Crazy Ride’, da Michelle Branch. Era 2008 e essa era a minha música favorita de todos os tempos.
Sem parar para conversar, disse meu “não, desculpa” e continuei andando. O moleque, que estava acompanhado de dois maiorzinhos, de uns 15 anos cada, parecia não saber como desenvolver a situação a partir dali. Olhou para os colegas, que estavam mais atrás, e continuou, bastante inseguro e com a voz trêmula:
– Tia, isso aqui é um assalto!
Impulsiva como de costume, disse um “sai daqui” pra ele. Foi nessa hora que os dois outros garotos se aproximaram. Queriam ver o que acontecia, afinal, eu continuava andando sem dar a mínima para a abordagem deles. Ao ver os amigos chegando, o pequeno aprendiz quis mostrar ação.
– ‘Me passa o seu celular, tia!’, disse, ainda inseguro e com o olho levemente esbugalhado. Por um minuto, me lembrei do Lindemberg, que sequestrou aquela garota em Santo André. Continuei sendo estúpida. Não querendo largar meu Motorola antigo de jeito nenhum, voltei a dizer um ‘sai daqui’ irritado.
A cena começou a se prolongar. Com a minha constante negativa, os dois meninos grandes começaram a colocar a mão no bolso do meu casaco e perguntar o que eu tinha nele. Eu tinha meu iPod, obviamente, e quase surtei. Desde que me conheço por gente, o que eu digo é que podem levar o que quiserem, menos o meu iPod – não sei se isso faz mais tanto sentido agora. Tomei mais coragem:
– ‘Não tem nada aqui não. Leva esse celular e sai daqui’, eu disse, empurrando os garotos, chutando a perna do menor e, finalmente, entregando meu celular todo zoado.
Os meninos ficaram chocados com o meu jeitinho especial. Lembro de nunca ter presenciado silêncio maior do que quando entreguei o telefone. O problema é que eu, que odeio silêncio, resolvi puxar papo:
– ‘Cara, quer saber? Eu também moro aqui no bairro, igual a vocês. Vocês moram aqui, né?’, eu perguntei.
‘Moramos’, disseram, com a cara assustada, como se eu fosse matá-los. ‘Você também? É sério? Então você é firmeza, a gente vai embora…’, continuaram. E aí, mais uma vez, eu não consegui ficar quieta…
– ‘Se é firmeza, me devolve meu celular agora. Senão eu vou mandar gente atrás de vocês. E aí…’, eu falei, afobada.
O pequenininho, que segurava o meu telefone, estendeu a mão, com motorola e tudo, pra me devolver, superchateado com o meu sermão. Aí o tempo correu. Cinco segundos aconteceram em um segundo. Um dos garotos maiores falou “Ah, pára de ser boiola, você tá louco?” pra o baixinho. E eles me deram as costas e foram embora, sem levar mais nada.
E quando eu percebi, eu estava ali, sendo iluminada pelas luzes dos carros que passavam na avenida, vendo 3 pivetes inexperientes desaparecerem na escuridão. E aí cheguei em casa, com iPod e com raiva de não ter dado uma boa surra naquelas crianças. Chorei, chorei, chorei. E depois comecei a rir desesperadamente.
É 2013 agora. Eu mudei, mas nem tanto. E minha nova música favorita é ‘Drops of Jupiter’, do Train.
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Hahahah! Amei ler essa ainda mais pq eu tinha escutado o relato pessoalmente na semana passada :D Infelizmente as pessoas aqui não viram vc imitando sua cara de ~sou perigosa~ hauahauahauah
Sucesso!
Bjim
caramba parabéns é muito bom, ligar o pc só pra vim aqui no blog ver se tem atualização, parabéns de verdade.
Hahahahahah, muito bom!
Como sempre, suas “aventuras” são fantásticas e você conta de uma forma meio irônica e cômica. Adorei!
Só para registrar, todos os posts estão ótimos!