Pouco tempo depois de começar no meu curso de inglês, aos 12 anos de idade, uma das minhas professoras favoritas, a Renata, citou o livro “As Vantagens de Ser Invisível”, de Stephen Chbosky, no meio de uma aula. Interessada, cheguei em casa e entrei escondido na minha internet discada e superlerda. Coloquei as palavras na busca, que na época nem Google era, e, rezando para minha mãe não me flagrar, descobri que o livro havia virado um clássico nos Estados Unidos. Todos os adolescentes americanos eram encorajados a ler a obra em algum momento do ensino médio. Eu, que na época era mais nova e obcecada por contos de fadas, não levei minha curiosidade adiante. A Rapunzel e os Três Porquinhos já me eram suficientes. Assisti a adaptação para o cinema no final do ano passado e resolvi finalmente ler o livro nesse ano. E aí só me veio uma pessoa na cabeça: o Claudimerison.
Não precisa se assustar. O Claudimerison não sofreu nenhum tipo de abuso sexual, assim como o Charlie, personagem criado por Chbosky. Não que eu saiba. Mas a vida dele também não parecia ser das melhores. O garoto, que estudou comigo na 7ª e 8ª série, tinha perdido o pai bastante cedo e morava com a mãe e o padrasto. A convivência depois da morte do herói do Claudimerison não era lá muito saudável pelo que consegui entender naquela época. E é por isso que ele, que usava calça jeans escura, camiseta neutra e cardigã cinza quase todos os dias, passava o tempo inteiro lendo e escrevendo em algum canto da casa.
O Charlie me lembrou o Claudimerison porque o Claudimerison era tão socialmente fodido (desculpa a expressão!) quanto o Charlie. Ficava sempre sozinho. Assistia de longe enquanto os mais populares da escola jogavam ping pong na mesa do pátio, comia sua canjica sentado no lugar mais isolado que conseguisse e, vez ou outra, até passava os intervalos sem desgrudar os olhos da Barsa na biblioteca destruída da nossa escola pública. Na oitava série, o Claudimerison era o único que já tinha aprendido todas as formas possíveis dos verbos e sabia identificá-las com absurda facilidade. ‘Não, isso é pretérito imperfeito do subjuntivo’, corrigia todo mundo de boca cheia. Ele também sabia decor todas as equações de primeiro, segundo e terceiro grau, coisa que nem mesmo agora eu sei. Além disso, o Claudimerison dominava inglês e aprendia sozinho, mesmo que lentamente, o francês.
Era sempre o primeiro a chegar na escola. Encostava na mureta bem ao lado do portão verde de entrada, apoiava um dos pés na parede e segurava um livro numa das coxas. Quando colocava os óculos, intimidava não só eu, que aos 13 anos também gostava de ser uma das primeiras na escola, como todos os outros alunos. O isolamento dele era mais do que claro. E apesar de achá-lo metido demais, eu tinha um pouco de pena.
A dificuldade de fazer amizades do Claudimerison começou a ser superada quase um ano e meio depois que o conheci. Não sei como aconteceu, mas ele conseguiu que a diretora o deixasse montar um grupo de teatro no auditório da escola. Aos poucos, e aos 14 anos, o Claudimerison começou a escrever peças de teatro muito boas, que chamaram a atenção de todas as séries do horário da manhã. Até os alunos mais bagunceiros da escola resolveram tentar papeis nas produções. Não sei bem qual era o problema do Claudimerison comigo, mas ele sempre me dava as partes menores: amiga da amiga da noiva, irmã mais nova e muda do psicopata, empregada doméstica de uma mansão e por aí vai… Pensando bem, até acho que o garoto tinha o feeling tão bom que notava, já ali, que eu não levava o mínimo jeito para a atuação.
O Claudimerison e eu viramos mais amigos conforme aquele ano de 2001 foi passando. Ele gostava da Karina, uma japonesinha fofa que entrara na sala no segundo semestre e eu tentava ajudá-lo a conquistá-la, apesar de ela já namorar outro cara. Nós brigávamos bastante porque os dois tinham a personalidade forte, mas em geral, o Claudimerison só não ficava muito feliz mesmo quando eu resolvia tirar nota maior que ele nas aulas de português. Quase não acreditou quando a nossa professora me deu um ‘P’ no meu poema sobre os ataques do 11 de setembro. Superou só alguns dias depois.
Me peguei quase que em desespero num desses dias, enquanto passava o fim de semana na casa dos meus pais. Não achava, de jeito nenhum, a agenda azul com recados dos meus amigos naquele final de 2001. Eu estava saindo da escola para fazer o ensino médio em um colégio particular e todos eles, incluindo o Claudimerison, me deixaram fofuras na agenda. Queria achar o que o bilhete dizia exatamente, mas não achei. Sei que era um poema lindo, com votos de sucesso e felicidade, que me deixou com um sorriso no rosto pelos 3 anos seguintes, quando eu já havia até perdido o contato com ele.
Dei um Google no Claudimerison esses dias. É assim que a gente acha pessoas hoje em dia, né? Encontrei pouquíssimos resultados com esse nome. Um deles, porém, mostrava que uma pessoa com esse nome residia em Cotia, aqui em São Paulo. Gostaria de saber se ele já realizou o sonho de ser escritor.
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