26. Cots, o irlandês do português fluente


A noite de sábado definitivamete não estava dando certo. Depois de chegar na porta da minha balada favorita na Zona Norte e descobrir que ela não existe mais, só me restaram duas coisas a fazer: entrar no carro e procurar outro lugar para celebrar o fim do meu primeiro dia de plantão em 2013. Pegamos o sentido centro rapidamente, mas não conseguimos pensar em nenhum lugar que ainda estivesse bombando às 2h30 da manhã. ‘Isso aqui não é São Paulo, porra?’, perguntou, indignado, um dos meus amigos enquanto ouvíamos ‘Call Me Maybe’, da Carly Ray Jepsen. Nada decidimos e, como de costume, fomos parar em um bar onde sempre terminamos quando tudo dá errado. O lugar fica na Trianon e a rua de frente a ele serve de pista de manobra para alguns skatistas. A cerveja é barata e… Bom, a cerveja é barata, e só.

Três Itaipavas e duas porções enormes de batata frita depois de chegarmos, não  conseguimos deixar de notar um moço loiro de cabelo raspadinho e olhos verdes que saía do banheiro. Ele vestia jeans e uma camiseta gola V preta que, se não fossem o figurino de um cara tão bonito como ele, nem chamariam a nossa atenção. Após rodear bastante a nossa mesa, ele finalmente decidiu nos abordar. Tocava ‘Borboletas’, do Victor & Leo, no telão, quando ele começou a falar. ‘Oi, dá licença! Vocês estão curtindo aqui?’, perguntou, em português, mas com um sotaque bastante carregado. Nossa cara de confusão o fez pedir desculpas e começar a conversa novamente. ‘Deixa eu dizer antes de mais nada. Sou da Irlanda. Vocês são gringos?’, questionou, com um sorrisão no rosto e as palavras ainda meio embaralhadas. O rapaz era o Cots, um irlandês com português fluente de Dublin que pensou que um dos meus amigos não fosse brasileiro.

O Cots não se chamava só Cots. Tinha um nome maior, tipo Cotsgamoore, sei lá. ‘Acho que você precisa de um apelido’, brinquei com ele quando vi que não conseguiria pronunciar seu nome. O rapaz mora em São Paulo, ali na Alameda Campinas, há um ano e trabalha como professor de inglês de executivos. Fez faculdade de Administração e Direito, mas não exercia a profissão. Nos disse também que tinha 23 anos só porque nos achou com cara de mais novos, mas assim que soube que eu tinha 25 e outro amigo 28, abaixou a cabeça rapidamente e pensou alto. ‘Eu menti. Disse isso, que tinha 23 anos, só porque pensei que vocês eram bem mais novos. Me perdoem’, disse o irlandês, que só tem 1 ano a mais do que disse, mas que pediu perdão com tanta intensidade que nos deixou até sem graça.

Perguntamos ao Cots se ele estava curtindo a cidade e a resposta foi imediata. ‘Sim, sim, o brasileiro é muito caloroso’, comentou ele com aquele sotaque que, aos poucos, no conquistou. Contou, porém, que não vê a hora de voltar para casa. ‘Vou ser sincero. Eu acho que tenho duas personalidades aqui no Brasil. Uma é a do cara que trabalha e conversa com as pessoas para fazer amizade e a outra é quando eu estou sozinho no meu apartamento. A solidão é muita’, comentou. Contei pra ele sobre o meu intercâmbio para a Califórnia e disse que às vezes também me sentia assim por lá. Ele ficou interessado na história e falamos um pouco sobre isso. Não que ele estivesse entendendo tudo, já que parou algumas vezes pra rir da velocidade com que eu falo. ‘É tipo pipipipipi casa, pipipipi namoro’, brincou, dizendo que só entendia os finais das minhas frases.

O irlandês disse que havia perdido o cartão de crédito no bar. Segundo ele, saiu para ver gente, bebeu só alguns drinks e não achou o cartão na carteira. Na hora, pensei naquele golpe que anda passando na TV o tempo inteiro: o cara se finge de gringo, diz que foi assaltado e que levaram identidade e cartões e pede dinheiro para voltar ao hotel. Dessa maneira, fatura uma grana bem alta. Deixamos a desconfiança de lado e oferecemos nossa cerveja ao Cots. Na hora de ir embora, às 4h30 da manhã, ele se despediu com milhares de agradecimentos, abraços e apertos de mão. ‘Eu cheguei aqui do nada e vocês conversaram comigo. O pessoal é mais frio na Irlanda’, disse, todo animado. É Cots, aqui no Brasil a gente conversa. A gente conversa tanto que algumas pessoas criam até blogs sobre outras pessoas. Você ganhou seu post.

9 thoughts on “26. Cots, o irlandês do português fluente

  1. Leio sempre no trabalho, seu blog foi a inspiração pra eu voltar a escrever no meu ♥
    Mesmo você citando ele como Loiro, imaginei ruivo. São fofos kkk

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *