29. O nóia do show do Sean Kingston


Era 28 de março de 2008 quando recebi uma grande (ou não) missão: cobrir a passagem do rapper Sean Kingston, que naquela época fazia sucesso com o hit-chiclete ‘Beautiful Girls’, pelo Brasil. Eu tinha acabado de entrar como estagiária para a equipe de entretenimento do site da revista CAPRICHO e sabia que precisava tentar me identificar com (pelo menos) alguma coisa na publicação. É que eu aceitei o trabalho só porque não aguentava mais lidar com buscadores no iG. Toda vez que entrava na redação com meu all star branco sujo (ou com o verde musgo, também sujo) só pensava em uma coisa: ‘Estou em o Diabo Veste Prada e preciso trazer a cópia não lançada de ‘Harry Potter’ para a minha chefe’. Aos poucos, o medo do julgamento deixou de existir, mas a vontade de fazer impossível virar possível me animava como nunca antes. Minha meta era, então, dar todas as noites que pudesse para resenhar shows – até os ruins, os piores, os detestáveis que, acreditem em mim, são muitos!

Naquela sexta-feira, fiquei até tarde na Abril, em Pinheiros, para ver a apresentação do Sean no Via Funchal. Mais cedo, naquele mesmo dia, tive o desprazer de entrevistá-lo, acompanhada de uma amiga estagiária. Esperamos mais de 40 minutos até o cantor aparecer. Quando a esperança de voltar para a editora fora do horário de pico já havia acabado, o cara deixou um quarto ao lado de uma loira gostosona, que se despediu e desapareceu pelas portas do elevador. Visivelmente irritado, ele sentou numa cadeira em frente a gente e bufou. A assessora até tentou justificar o comportamento, mas me deixou brava. ‘É que ele teve que ir de helicóptero para uma entrevista na Record hoje cedo. O trânsito estava terrível, mas ele odeia andar de helicóptero’, disse. Não consegui disfarçar minha cara de choque. ‘Que moleque petulante!’, pensei.

Mas o dono desse post nem é o rapper americano e sim um nóia que perambulava pra lá e pra cá na frente da casa de shows onde o show aconteceu. Com os olhos vermelhos, o garoto, que tinha no máximo seus 18 anos, chegou no ouvido do segurança e perguntou quem iria tocar naquela noite. Depois de ouvir a resposta, foi cara de pau: ‘Posso entrar pra ver?’ O careca alto e forte que cuidava da entrada riu e apontou para os lados, como se dissesse um ‘olha essas patricinhas e esses riquinhos aqui’ ou ‘você acha que tem chances de entrar sem pagar?’. Chapado demais para dar a mínima, o nóia foi embora. Antes, porém, deu uma olhada pro lado e me viu, com aquela bolsa enorme que evidenciava minha câmera profissional. Os portões se abriram e eu, com a minha credencial de imprensa, entrei sem olhar para atrás.

Esqueci do garoto e trabalhei durante o show. Tirei fotos, anotei canções, anotei reações… Até que, quando estava do lado esquerdo do palco, senti um odor excessivo. Olho para atrás e vejo um rapaz todo sujo chegando. Era ele, o nóia. Ele olhou para mim, para a minha câmera e depois para o palco. Continuava chapado e repetiu isso umas três vezes. Eu tinha quase certeza que ele me assaltaria e, por isso mesmo, usei a minha técnica bizarra de fazer amizade com o ladrão.

Enquanto todos se afastavam do nóia – o cheiro realmente não era nada agradável, eu o cutuquei. Ele me olhou com os olhos vermelhos e distantes. ‘E aí, está curtindo o show?’, perguntei. Ele sorriu de leve e disse que nem sabia quem era o negão cantando no palco. ‘É rap isso aí, é moça?’. Eu disse que sim e contei a história do Sean pra ele. ‘Esse cara teve uma vida foda, mas tá aí. Foi preso, teve a mãe e a irmã presas também. Se drogava pra caralho!’ O nóia, que não me falou o nome dele, balançou a cabeça como se me dissesse que já conhecia aquela história.

Resolvi deixá-lo por lá sozinho curtindo o show. A apresentação do Sean Kingston terminou poucos minutos depois e eu saí do Via Funchal para esperar o motorista da editora. No meio daquela multidão, vi o nóia saindo também. Andava rápido, mas quando olhou para o lado e me viu, diminuiu o passo, sorriu e deu um ‘tchauzinho’ que fez minha noite.

3 thoughts on “29. O nóia do show do Sean Kingston

  1. Eu simplesmente AMO os seus textos. Tipo TODOS eles hahaha e também admiro muito a sua capacidade de se enturmar, captar e traduzir as emoções de pessoas tão diferentes que em muitas situações participaram por um curto (ou curtissimo) intervalo de tempo da sua vida. Bj.

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