35. Christian, o publicitário que virou açougueiro


O programa daquele meu sábado à noite já estava decidido há pelo menos duas semanas, quando eu topei fazer um trabalhinho rápido de reportagem no Elle Summer Preview, evento de moda da revista que acontece desde o ano passado. O desfile, que rola na ponte estaiada, um dos maiores cartões postais de São Paulo, é seguido por uma festa bastante badalada, que rola num hotel caro da cidade. Eu deveria estar, no mínimo, animada por ser uma das poucas pessoas que não tiveram que fazer esforço algum para conseguir um convite, mas passei longe de sentir isso. A verdade é que lugares em que as pessoas só faltam sair no tapa para conseguir entrar não são bem a minha praia. Tenho pavor de baladeiros (ainda mais aqueles do tipo ‘alpinista social’), assim como tenho pavor de ‘famosinhos da internet’ reunidos em um só espaço. ‘Eu disse que faria, então vou fazer’, eu repeti várias vezes pra eu mesma durante o dia. Depois de ir parar no hospital por causa de uma dor de ouvido insuportável, eu decidi que enfrentaria qualquer sintoma que ainda me restasse. Eu vestiria o meu melhor vestido social, eu colocaria o meu melhor sapato, eu pentearia o cabelo e eu passaria maior quantidade de maquiagem no rosto do que eu geralmente passo. Eu não deixaria toda a minha quase fobia social atrapalhar aquela noite.

Cheguei de táxi ao evento. Chovia e ventava bastante, e eu não sabia bem como lidar com a parte debaixo do meu vestido indo pra lá e pra cá. É que eu quase sempre uso calça ou shorts, então é difícil, bem difícil. Já ali na porta, me deparei com fotógrafos (e seus malditos flashes que cegam), modelos e editoras de moda espalhados por tudo quanto é canto. Até uma ex-chefona minha eu encontrei. Sorridente, mas obviamente sem lembrar meu nome, me cumprimentou com um beijinho no rosto e um abraço apertado. Mais tarde, estendeu a mão para me dar o cigarro dela pra segurar enquanto ela posava pra fotos. Não consegui evitar me sentir uma espécie de Andrea, de ‘O Diabo Veste Prada’. No entra e sai antes da festa começar, também vi vestidos diferentes. Provavelmente desenhados por John Galliano, por Marc Jacobs, por Stella McCartney e um especial, que eu até jurava ser da nova coleção da grife Oscar De La Renta. Os sapatos também eram uma atração à parte e as bolsas – ah, as bolsas! O valor que eu paguei na minha da Renner não deveria dar nem o da linha usada para costurar uma daquelas.

Passei alguns minutos me sentindo como se tivesse sido teletransportada para um daqueles cenários que a Lauren Weisberger descreve em seus livros (já leram ‘Todo Mundo que Vale a Pena Conhecer’ e ‘Última Noite no Chateau Marmont’?). Fiz de tudo para acabar o serviço rápido. Só aí eu conseguiria fazer o que eu gostaria de ter ido lá pra fazer: beber champagne sem precisar pagar comanda nenhuma. Eu sei, sou ogra… Mas continuando: Era pouco depois das 1:30 da manhã quando consegui pegar a minha primeira taça. A minha sede era tanta, e a bebida estava tão gelada, que quase virei o drink de uma vez só.

Caetano Veloso, que fazia um show particular no evento, cantava ‘O Leãozinho’. Os moderninhos da festa, que estava decorada com balões enormes no teto, mais filmavam e tiravam fotos do que curtiam a apresentação. Assim que Caê saiu do palco, o DJ começou a tocar e a pista esvaziou mais rápido do que se tivessem acabado de estipular um toque de recolher. Enchi mais uma taça e depois mais uma. O clima definitivamente não era de paquera e de azaração, pelo menos não pra mim. Metade dos convidados era mulher e outra metade era gay. Foi por isso que, quando o Christian se aproximou de mim e de uma amiga, eu nem liguei o radar do romance.

O Christian vestia camisa branca e jeans de lavagem média. Era mestiço, tinha uma voz bonita e fez o que todo mundo ama fazer para quebrar o gelo:

– Idade? Uhmmm, adivinha quantos anos eu tenho!

Odeio essa brincadeira. Tão não criativa! Falei 29 pra não ofender, mas algo me dizia que ele tinha de 32 a 34 anos de idade. Depois da minha resposta, o Chistian comemorou:

– ‘Sério que você acha isso?’, perguntou, enquanto passava a mão no rosto, todo orgulhoso, querendo dizer que a pele ainda estava boa:

– ‘Na verdade, eu tenho 32, mas obrigado!’, disse.

Não sabia como continuar dali. Eu só queria mesmo gritar meu ‘TOCA SHAKIRA’ pro DJ e dançar ‘Loca’ até o último minuto da festa. Sem parar de dançar sei lá qual música que tocava, perguntei pro Christian o que ele fazia.

– ‘Bom, sou publicitário, mas é que a história é complicada’, ele disse.

– ‘Então me conta aí sua história complicada’, falei, sem real interesse.

Antes de começar a falar, ele me perguntou se eu queria mesmo ouvir toda a história. Eu pensei duas vezes antes de dizer que sim, mas lá fui eu. O Christian me disse que costumava trabalhar em uma agência muito tempo, mas cansou e saiu da primeira onde trabalhava. Depois saiu da segunda e da terceira, pelo que me lembro. Resolveu então abrir um açougue. Já um pouco alterada por causa do champanhe, tentei quebrar o climão sério que ele deu para a nossa conversa:

‘Ahhhhh, Fernanda, olha aqui!’, disse pra minha amiga. ‘O Christian aqui tem um açougue e vai doar carnes de graça pro nosso churrasco’, continuei, rindo.

Com o humor bastante parecido com o meu, a Fernanda jogou a piada que eu gostaria de ouvir naquele momento. Uma coisa bem tosca, pra ele desencanar da gente logo:

‘Cadê o Ralf, Christian?’, ela disse.

Surpresa, eu ri sem parar. ‘Vai lá pegar o Ralf pra apresentar pra gente! Somos fãs’, ela ainda disse. O Christian não pensou duas vezes: chamou um amigo que estava por perto e apresentou como Ralph. Era hora de ir embora.

– ‘Oops, meu champanhe acabou! Vou ali pegar outro e já volto’, eu disse, levando a Fernanda junto.

Pro garçom, eu pedi a garrafa inteira  de champanhe. Pro DJ, eu pedi meu ‘TOCA SHAKIRA’ de sempre. Não fiquei na festa para ouvir a música. Até nunca mais Elle Summer Preview?

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