46. Bruno, o brasileiro ruim de português


Eu já tinha pelo menos 15 folgas na planilha quando a minha chefe finalmente me deixou tirar uma semana de descanso. Nunca entendi muito bem qual é a desse pessoal que acha que trabalhar em uma revista conceituada, numa editora de grande porte, já é a recompensa para quem faz milhões de horas extras aos finais de semana. ‘Folga? Por que? E quem vai te cobrir nesse tempo?’, me perguntavam toda vez que eu me mostrava necessitada-fodida-cansada-pra-caralho a ficar em casa sem fazer nada. Eu sempre me segurei para não soltar um ‘se vira aí, lindona’, tenho que dizer. Mas, dessa vez, eu estava tão feliz com a vinda da minha amiga suíça, a Andrea, para o Brasil, que eu pouco me importei. Na sexta-feira daquela semana de fevereiro, desliguei o computador, fechei minha bolsa, dei meu ‘tchau’ debochado e passeei-quase-que-sambando até a porta de saída mais próxima do andar.

O avião da Andrea vinha de Zürich. Fez escala em Portugal por duas horas e chegou ao Brasil num domingo bem cedinho. Ela, que só sabia falar ‘biscate’ e ‘gatinho’ em português, saiu pelo portão de desembarque meio sonolenta e procurando por mim. Quando me viu, me deu um abraço bem forte e soltou a frase que eu já imaginava que ela soltaria:

– “I missed you, biscate!”

Assim que colocou a cabeça para fora do aeroporto, Andrea gritou um ‘yey, the sun’ que me deixou animada. O Brasil era a cara da Andrea.

Andy, como era chamada, e eu curtimos alguns dias em São Paulo antes de ir para o Rio, onde passaríamos uma semana. Fomos ao shopping, ao Ibirapuera (ela amou o parque!) e visitamos alguns vários bares da cidade. Por coincidência, na mesma semana que Andrea estava em São Paulo, uma de suas amigas suíças, a Rahel, também estava por aqui. ‘Por que não vamos beber com ela?’, sugeriu Andrea, louca para encher a cara em terra tupiniquim.

A Rahel era linda, apesar de bem mais magra do que o ideal e um pouco desengonçada. Estava no Brasil porque namorava um brasileiro, o Bruno. Pelo que entendi, eles se conheceram durante o intercâmbio que fizeram na Austrália. O romance durou – e dura até hoje. O casal passava seis meses separado e se via nas férias. Ele ia pra lá ou ela vinha pra cá. Um tipo de romance que eu, sinceramente, não encararia.

O Bruno não era bem um cara de quem eu seria amiga. Aliás, esse não é  o primeiro Bruno com quem eu não teria amizade. Era um pouco petulante demais nas colocações. Esse jeitão de boy que compra ‘champa’ nas baladas da Vila Madalena só para tirar uma onda, sabe qual é? Fomos a um bar na Vila, inclusive. Eu, ele, a namorada e a Andrea. Assim que leu o cardápio, ele decidiu por caipirinhas e porções de bolinhos de queijo.

Enquanto o garçom não trazia as comidas e bebidas, o Bruno passava a mão por sua camiseta da Hollister e fazia cara de tédio. É que a minha amiga Andrea e a namorada dele tiveram um momento de ‘má educação’ e começaram a falar só em alemão, nos deixando de lado. Eu, apesar de só saber alguns palavrōes e algumas frases feias na língua (“Ich bring dich um” era uma delas), achava divertido. Assim que o garçom deixou os pedidos na mesa, eu agradeci educadamente:

– ‘Obrigada!’, eu disse.

– ‘O que você disse? Está falando a palavra errada? O certo não é ‘Obrigado’?, perguntou, em inglês, a Andrea.

– ‘É que quando você é mulher, você agradece com ‘obrigada’ e quando é homem, com ‘obrigado”, expliquei para a Andrea.

O Bruno reagiu da eterna cara de tédio e me olhou como se eu tivesse falando a maior besteira do mundo.

– ‘Você tem certeza? Que eu saiba é só ‘obrigado’ mesmo’, ele retrucou, em inglês. Andrea e Rahel ficaram confusas, sem saber em quem confiar.

– ‘Tenho certeza sim’, eu falei.

– ‘Eu tenho certeza que não, cara!’, ele disse, todo marrento.

Pedi então que o Bruno pesquisasse no Google e ele, confiante, deu um search. Ficou tocando a tela do celular por algum tempo e, decepcionado, admitiu na frente das meninas que uhmm, é… estava errado.

– ‘Mora aqui e tá me ensinando a falar português tudo errado’, disse a Rahel, rindo. Ele não gostou do comentário, claro.

Naquela noite, percebi mais uma vez que dinheiro não garante educação. Né não, Brunão?

6 thoughts on “46. Bruno, o brasileiro ruim de português

  1. conheci só um Bruno em toda a minha “longa” vida, ele era desse estilo, marrentão, petulante.
    Deve ser síndrome de Bruno hahaha

  2. Ai gente, existem Brunos bonzinhos!
    Meu irmão carrega esse nome amaldiçoado, mas prefere jogar RPG à ir na balada e única Holister que tem, fui eu que dei. hehehehe. Esse eu recomendo. hahaha

Leave a Reply to Aline Vieira Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *