48. Rô, o ambulante da cerveja de graça em Barretos

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Saí do estádio do Parque do Peão, em Barretos, meio indignada, apesar de saber que eu não tinha esse direito. Naquele sábado à noite, trabalhei na cobertura do show da dupla Jorge e Mateus na Festa do Peão, no interior de São Paulo, e constatei: esse povo daqui não sabe cantar “Céu Azul”, do Charlie Brown Jr. O tal do Mateus até tentou fazer uma homenagem em forma de cover, mas era só eu, no meio da multidão, que cantarolava a canção como se aquela fosse a última vez que eu poderia cantar na vida.

Desde que comecei no jornalismo, aos 17 e meio, tinha o famoso ‘Barretão’ na minha lista de coberturas mais desejadas. Não porque gosto de música sertaneja especificamente, mas porque gosto de me envolver em pautas carregadas de cultura. E a Festa do Peão obviamente é uma dessas… Arena lotada de gente. Ou com calça muito apertada (homens, como vocês conseguem?) ou com o decote abusado demais. Ou com chápeu de palha ou com cinto enorme brilhante. Ou bebendo ou vomitando ou cambaleando. Ou dançando ou tipo eu, quieta no meu canto, só observando.

Deixei o estádio no dia mais cheio do primeiro final de semana no festival quando a última música da setlist começou. Consegui evitar a muvuca na hora de sair, driblei milhares de pessoas bêbadas e de camisa xadrez na vila do lado de fora e cheguei, finalmente, em frente aos dois símbolos da festa: uma estátua de cowboy enorme e uma roda de ‘Parque do Peão’ quase na estrada. Esperava o resto da equipe quando um ambulante gritou:

– ‘Quer chapéu, moça?’

– ‘Não, obrigada!’

– ‘Tá barato, viu?’

– ‘Eu não tô precisando de um, acho. Mas quanto tá? Fiquei curiosa agora’, eu disse, rindo.

– ‘Faço 5 reais pra você’, ele respondeu, esperançoso.

Eu, olhando as mensagens no celular que chegavam a cada 5 segundos, disse que não ia precisar mesmo.

– ‘E uma cervejinha? Quer, moça?’, ele perguntou.

– ‘Obrigada! Meio frio demais pra tomar cerveja. Tô de boas, valeu!’, eu disse, pra não parecer tão chata. Cerveja não é uma coisa que eu gosto muito. Geralmente só tomo para acompanhar os amigos mesmo.

– ‘E água? Você quer?’, ele perguntou.

– ‘Não, brigada. Eu só tomo coca. Cê tem?’

– ‘Não acredito que você pediu a única coisa que eu não tenho!’, ele disse, rindo.

O nome dele era Rogério e eu esqueci de perguntar sua idade. Ele vestia um capuz cinza para se proteger do frio e esfregava as mãos o tempo inteiro para esquentá-las. Enquanto eu esperava, ele me contou que era de São Paulo e que, nas semanas seguintes, iria para o Rodeio de Itu para vender coisas por lá também. Já eu, contei que também estava ali trabalhando.

O Rô não sabia muito bem me explicar qual era a profissão dele. “Essa é a pergunta mais difícil que você me fez”, ele riu. “Vem cá, vamos tomar uma cerveja!”, ele disse, indo em direção a uma caixa de isopor com seus produtos. Pegou duas cervejas, me deu uma na mão sem cobrar nada e brindamos. “Na verdade eu faço tudo. Vendo na rua, sou motorista, garçom, faço de tudo um pouco”, disse. Passei mais 10 minutos com ele, bebendo a Brahma gelada grátis. Nesse tempo, o Rô de Barretos contou que o único motivo de ele trabalhar tanto era pra juntar dinheiro para voltar para os Estados Unidos. Ele passara 3 meses numa cidadezinha perto de Boston, mas resolveu voltar porque só tinha um visto de turista e não queria ficar ilegal no país.

– ‘Acho que no fim do ano já tenho uma grana para ir pra lá. É muito diferente. É animal, cara!’

Contei para o Rogério que já tinha passado um tempo na Califórnia e, quando voltei ao Brasil, senti o mesmo desespero para voltar para lá. Ele parecia aliviado. Esse negócio de choque de cultura reversa é mesmo uma porcaria.

Meu carro chegou e eu tive que ir embora. Mas prometi que ligava pro Rô em São Paulo. Fico mais 6 dias por aqui. ‘Barretão tá um tesão’, como diria o Mr. Catra.

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