49. Wallam, o (gentil) caipira mineiro

Eu soube que passaria alguns dias no interior de São Paulo para um festival de música sertaneja já em junho. Por isso, cheguei ensaiada para o show do Luan Santana, o mais esperado da Festa do Peão de Barretos, naquela sexta.

Não vai embora não, deita aqui na cama, se seu pai te perguntar, você tá com o Luan Santana. Você é raio de saudade, meteoro da paixão. Explosão de sentimentos que eu não puder acreditar, a-ah como é bom poder te amar. E eu vou ficaaar te esperandu-u-u-u-u!

Tá, parei.

Depois de cobrir um show do Cesar Menotti e Fabiano em um palco distante, corri para chegar a tempo na apresentação na arena principal e passei alguns minutos procurando um lugar na parte de cima da arquibancada para sentar. Sou extremamente sedentária e descer aquela caralhada de escadas passava longe dos meus planos. Além do mais, tudo aquilo me lembrava bastante do ‘corredor da morte’ que meus amigos faziam na época de escola. Você passava e todo mundo ia te dando tapas e socos em todas as partes do corpo. No caso, ali, todo mundo passaria a mão em você, te puxando à força pela cintura para um papo mais íntimo. Eu via aquilo como um assédio e, por isso, no meio do clima tenso, resolvi ficar de pé mesmo, apoiada em uma pilastra, atrás do Wallam.

O Wallam era um dos únicos rapazinhos naquele lugar que não estava vestido à caráter. Usava jeans, tênis e camisa polo normal. Diferente daquela mistureba toda de gente de xadrez, chapéu e bota de cowboy que já me deixava angustiada. É que eu estava cansada. Cansada mesmo. Aquela deveria ser uma das únicas vezes na minha vida que eu torcia para ninguém conversar comigo. Já faziam 8 dias que eu estava em Barretos e eu não aguentava mais ouvir a música da Piradinha, nem a do 5 minutinhos de solteiro.

Enquanto o show não começava (acreditem, atrasou 1h53), o Wallam virava pra trás e me olhava sem parar, sorrindo de orelha a orelha. Moreno, de aparelho nos dentes e olhos brilhantes, me lembrava alguém que até agora não sei quem. E desviar o olhar do Wallam começou a ficar tão difícil que resolvi dar um ‘oi’. Abri a boca sabendo no que estava me metendo. Era óbvio o que o Wallam queria. Afinal, o que o Wallam queria era o que 99,9% das pessoas que foram naquele festival queriam: beijar na boca. E beijar na boca em Barretos estava fora de cogitação pra mim. Como sempre brinco com uma amiga: ‘eu sou noiva, sabe?’¹.

“Tá curtindo os bois aí?”, o Wallam perguntou, me deixando um pouco surpresa com a abordagem. É que enquanto o show não começava, o torneio internacional de montaria rolava na arena e eu acho que pareci concentrada demais na competição, tipo fãzona de bois.

– “Ah, eu não entendo nada, né? Mas é legal sim. Você tem cara de quem monta”, eu disse, sem querer.

O Wallam não tinha cara de peão de rodeio, que monta em bois e compete por R$ 1500. Me expressei mal: ele tinha cara de quem andava a cavalo. Mas o Wallam não se importou com o comentário e logo começou a contar que era apaixonado por fazenda e que morava em uma em Varginha, Minas Gerais. Contou que parou de cuidar dos animais quando levou um coice de uma vaca.

– “Ela me deu um chute que juro que fiquei até sem ar na hora. A ferradura dela ficou marcada na minha barriga”, ele disse. Como moça da cidade que sou, achei um absurdo a vaca ter dado um coice no Wallam.

O rapaz, de 22 anos, me disse que aquele havia sido um dia longo. Naquela sexta, o Wallam viajou até o interior de São Paulo só para curtir a festa. Veio com um grupo grande de amigos que se ‘hospedaram’ no camping do evento. Quatro dias era igual a R$ 350, fora comida, bebida e estacionamento. Alguns dias antes, eu já havia conversado com um tiozão que me contara que o acampamento do lugar era uma vergonha. O Wallam, todo feliz, me disse que aquela era a terceira vez dele na cidade e que, pra festa, havia trazido cerca de R$ 1000. Eu fiquei pensando em como ter fazenda deve dar dinheiro, já que eu, sinceramente, não tenho R$ 1000 pra dar em um festival.

O Wallam me explicou que ‘até que ganhava bem’. Trabalhava no fábrica de palhas que ficava há 5 minutos de sua casa e tirava cerca de R$ 1700 por mês, sem ter que fazer hora extra, nem trabalhar aos finais de semana ou feriados. “Diferente de mim, que estou aqui ó”, pensei. Wallam me disse que acordava todo dia às 6h da manhã, tomava café, assistia TV e, 10 minutos antes de o expediente começar, pegava a sua moto e corria estrada adentro. Ele já havia feito trilha com moto – é, aquela no meio da mata – e motocross e sentia saudades disso tudo.

Quando o show do Luan Santana começou, todos os caras ao nosso redor nos olhavam com cara de ‘como esse cara conseguiu tirar a atenção dela do Luan?’. E o Wallam passou a ficar mais e mais nervoso, como se todos estivessem esperando que ele “tomasse uma decisão” em relação a mim. Foi então que ele disse, tímido e com sorriso torto:

– “Será que eu tenho uma chance com você?”

Eu disse que não porque, afinal, eu ainda uso aquela desculpa de quando eu tinha 18 anos de idade e era abordada por moços assanhados na balada:

– “É que eu namoro. E quando estou com alguém, estou mesmo”, eu disse pro Wallam.

Ele ficou surpreso com a minha sinceridade. Não deve ter percebido que aquilo era só um fora. Pediu 5 minutos enquanto “Sogrão Caprichou” tocava e saiu, voltando pouco depois com uma Brahma numa mão e um Guaraná em outra.

“Ó! Trouxe esse Guaraná pra você!”, ele disse, todo fofo. “Sabe? Eu, quando estou com alguém, também só estou com aquela pessoa. É difícil achar menina igual você por aí”, ele elogiou.

Conversamos sobre amizade, sobre sertanejos, sobre mulheres e sobre cerveja. Ele me convidou para uma festa no camping da galera dele no dia seguinte (iam ter pick-ups com música muito alta e bebida liberada) e, na hora que nos despedimos, me deu o maior abraço sincero.

E foi assim que, mais uma vez, me surpreenderam com amizade e bebida de graça em Barretos. O Wallam, ao contrário do Rô, me passou o e-mail dele para procurar no Facebook. Disse que não entra muito, mas sabe mexer bem no site.

¹ Não, eu não sou noiva. Está é só uma desculpa que uma amiga inventou pra dar quando caras muito malas quiserem se aproximar mais e mais. Noivado soa mais importante do que namoro.

5 thoughts on “49. Wallam, o (gentil) caipira mineiro

  1. Mas que meigo o Wallan! adorei a história, na verdade tô amando o fato de você ter ido a barretos por que tanto o Rô quanto o Wallan dão aquele ar caipira e sertanejo aos seus posts o que é diferente e, talvez por isso, dê vontade de ler mais e mais.

    1. Oi, Isa!

      Também amei a experiênca em Barretos, apesar da canseira depois de um tempo. O pessoal do interior é gente boa demais. Pra gente, que vem da correria louca da cidade grande, é legal ver que as pessoas reais ainda existem! :*

  2. Oi, conheci seu blog hoje, através de um post do “Não Provoque”. Na imagem que ilustrava seu blog no post estava esse post, como sou de Minas Gerais, fiquei curiosa para saber o que você tinha escrito.
    Gostei muito! Meu namorado (não sou noiva, mas tenho namorado) trabalha em Varginha (minha cidade se chama Liberdade, é mais ou menos perto de Varginha; e aqui o pessoal faz trilha e motocross). Como já disse, gostei muito de ver essa história aqui. As pessoas podem nos surpreender positivamente :) .

    http://www.petalasdeliberdade.blogspot.com.br

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