58. O moço do picolé no elevador


Era mais uma sexta-feira, mas isso pouco significava no momento atual da minha vida. É que, desde que as quintas ficaram mais agitadas, as sextas têm sido só para “curtir a ressaca jogada no sofá”. As sextas têm sido dias de jogar Rock Band até a madrugada, de ler e reler Jonathan Franzen e de baixar porcarias no meu Kindle. Sextas têm sido dias de comer pastel e coxinha, e dias de beber Norteña gelada sem precisar se preocupar com quantos copos virar. Todo esse cenário caseiro, de quase reclusão, deveria significar “não conhecer ninguém novo”, mas vocês sabem como a vida é…

A novela já tinha acabado quando o interfone tocou. “Entrega de comida”, disse o porteiro, animado. O Josenildo sempre usa um tom de voz de festa quando me liga lá de baixo. É que ele me acha “a menina mais bonita do prédio”. Às vezes, ele deve se arrepender de me elogiar. Aquela sexta, por exemplo, era o meu dia de folga, então mal fiz questão de pentear o cabelo. À noite, eu estava de blusa largadinha e legging colorida. Havia substituído minhas lentes de contato pelo óculos. Eu estava um caos, mas um caos feliz e confortável.

O motoboy entregou meu lanchinho da noite e foi embora. Eu entrei no prédio novamente, agradeci o porteiro e caminhei rumo ao elevador. Apertei os botões várias vezes pra ver se chegava logo – é, eu tenho essa mania desagradável. É que eu odeio dividir os poucos m² do elevador com alguém. Ansiedade. Climão. Sei lá. Mas dessa vez não teve jeito. O moço do picolé chegou na porta do elevador antes mesmo de o elevador chegar. Chupava um desses Magnum…

– “Oi, boa noite!”, eu disse, tentando ser educada enquanto segurava várias sacolas de comida diferentes.

O moço do picolé no elevador era do mesmo tamanho que eu. Vestia calça preta e jaqueta de couro. Parecia tímido, mas resolveu brincar comigo:

“Oi! Nossa, mas você vai comer tudo isso?”, perguntou, todo pimpão.

Eu ri. Era a primeira vez desde a Dona ‘daria tudo para voltar a ser jovem’ que alguém não falava do tempo ao subir de elevador no condomínio. As pessoas aqui não são do tipo que eu gosto muito. São do tipo menos zero observação e menos zero conversa. Deve ser por isso que, mesmo morando no prédio há 2 anos, ainda não conheço o vizinho do 52.

Voltando ao que interessa: o elevador chegou. Para responder a piada do moço do picolé, usei todo meu sarcasmo.

– “Mas ué!”, eu disse, abrindo a porta. “O que você acha que uma mocinha direita faz na sexta à noite?”, eu perguntei.

Sem saber o que responder, o rapaz apertou o 4ª andar e pensou um pouco, enquanto chupava tranquilamente o sorvete. Não muito certo, disse:

“Ah, vai pra balada. Curte a noite, né?”, disse.

Eu ri de novo. Ele não parecia muito o tipo de cara que curte a noite desse jeito.

– “Xi! Olha quem tá falando de curtir a noite: o moço que está voltando pra casa na sexta à noite chupando um picolé, sabe?”, eu brinquei.

O moço do picolé no elevador riu por um tempo, disse um ‘tchau’ com voz de ‘sou um perdedor’ e desceu. Eu subi até o 5º andar rindo. Moço, balada não é a minha. Sorvete é.

3 thoughts on “58. O moço do picolé no elevador

  1. Tenho dois comentarios sobre esse post:
    01. Chocada pq você usa oculos! :O
    02. Não conhece o vizinho do 52 mas conhece o do 54 graças a Luisa que tocou a campainha dele! Kkkkk
    Saudades de você!

  2. Haha, que doçura. Sorvete também é a minha. Sorvete, filminho, leitura.
    Acho que daqui até pro final do ano, meus dias serão meio sextas. Digamos que fui meio “forçada” a aderir essa escolha.
    Abraços.

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