60. O puto dos ‘100 conto numa noitinha’

Era mais uma manhã de correria. Entrei no elevador no 5º andar levemente descabelada (têm dias que me falta tempo até para me pentear), apertei o botão do térreo (que já está tão calejado que às vezes afunda demais na paredinha) e me virei para o espelho (para tentar me ajeitar antes que alguém aparecesse). Quando a porta de madeira de cor mogno se abriu, eu só não saí porque vi a placa do 11º andar.

“Eita, subiu ao invés de descer”, eu disse, com uma voz bem baixinha.

Essa coisa de o elevador “errar o caminho” tem acontecido com frequência no meu prédio nos últimos dias e, vira e mexe, alguém bota a culpa na pobre da síndica, uma velhinha de quase 80 anos com cara de Nossa Senhora de Guadalupe. “O dinheiro aqui vai para qualquer lugar, menos para onde precisa. Estão roubando tudo”, reclamam os donos de apartamentos nas assembleias do condomínio.

Eu não desci sozinha do 11º andar. Na porta, havia dois rapazes esperando. Um mais novo. Branquinho, um pouco bombado, de tatuagens no braço e camiseta gola V laranja bebê. O outro mais acabado. Moreno, de camisa cinza, bermuda de praia e chinelo. Assim que me viu, o de laranja pareceu prender a respiração, empurrando o outro para o elevador sem entrar “no mesmo”.

“Vou descer depois. Vou tomar um banho primeiro. Vai lá”, disse.

– “Então tá”, respondeu o de cinza, sem se importar muito. Ele cambaleou para o meu lado, deixando claro que, apesar de ser apenas 9h30 da manhã, ele já havia bebido alguns muitos goles de álcool naquele dia.

Assim que a porta fechou, o moreno que descia comigo colocou as mãos no bolso, tirou uma nota de 100 reais para fora e riu, feliz demais:

“Aí ó! 100 conto numa noitinha! Viado do caralho!”

Os 20 segundos para descer até o térreo me pareceram surreais demais. Não pelo fato de eu descobrir que o bonitinho do 11º é gay. “Meu filho, seja quem você quiser”, eu pensei. Mas por ver que o rapaz que “fez o serviço” naquele andar não se encaixava muito no padrão “Grindr” dos tempos modernos: barba feita, cabelo cortado, corpo malhado e, quase sempre, roupas da moda. O bonitinho do 11º com certeza não tinha encontrado sexo num Bar Volt, point gay de São Paulo, da vida, nem mesmo numa dessas esquinas famosas por serem repletas de michês. O bonitinho do 11º andar parecia ter tido sua noite de prazer com um desses drogadinhos de farol, que aceitam qualquer coisa para arrecadar a grana que for. Aquele moço que descia o elevador comigo parecia um desses rapazes que vagam sem rumo pela Avenida 23 de maio. Por isso a felicidade com os 100 contos na mão. Por isso o “viado do caralho” debochado.

Não sou ninguém para julgar, mas resolvi falar. Queria saber mais sobre o cara que estava ao meu lado:

– “Porra, 100 contos numa noite? Cê é foda, rapaz”, eu disse, também debochada. Ele não parecia muito consciente.

O puto do elevador riu, orgulhoso, disse um “cê vê?” e só não me contou os detalhes da noite porque a porta se abriu no térreo.

“Eu sou famoso nisso aí”, ele disse. Provavelmente queria dizer que tinha um pau enorme, que comia bem, que “arregaçava o cu dos viadinhos tudo”. Mas ficou só rindo.

“Demorou pra fazer um cartão de visitas, hein”, eu disse, ironizando-o, mas bem-humorada.

– “Né não?”, ele gargalhou de novo. “Esse viado! Hahahaha, viado! Viadão do caralho”, repetiu, se referindo ao moço do 11º.

O puto do 11º saiu pelo portão do meu prédio olhando para os dois lados. Não sabia se subia ou se descia. Depois de pensar um pouco, resolveu descer. E foi mesmo em direção à Avenida 23 de maio…

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