63. Seu Iguis, o taxista dos milhares de aplicativos


O relógio já chegava as 9h40 da manhã quando eu, obviamente atrasava, resolvi abrir meu 99Táxis e chamar um carro. Naquela manhã, eu havia batido o recorde mundial de enrolação na cama: foram 2 horas e 33 minutos pedindo ‘só mais 5 minutinhos’ para o meu despertador. Pelo menos ali, enrolada nos meus 3 cobertores, eu tinha chegado a uma conclusão: de que não, eu não me sujeitaria a pegar o metrô, nem o trem naquela quinta-feira. E nem é frescura, juro. É que o dia anterior havia sido de jornada dupla pra mim: no horário comercial, dezenas de fotos cortadas e destaques feitos, à noite, textos e mais textos sobre o sucesso de uma marca de computadores.

“Banda lança clipe com tecnologia X”, “Marca X ganha prêmio de mais respeitada no mercado de informática”, “Placa de Rede X ajuda astronautas a vencerem batalha contra extraterrestres”. AHHHHHHHHHHHHHH!

Eu só queria mesmo é entrar no táxi e ficar quieta até chegar ao meu destino final, mas não foi bem assim que aconteceu. Eu até tentei segurar a cara de poucos amigos, mas aos poucos me encantei pelo Seu Iguis. O Seu Iguis, um senhor de 61 anos, apareceu na porta do meu prédio cinco minutos depois de eu pedir o carro. O veículo parecia bem normal por fora, mas descobri que era um mundo de tecnologia no interior.

– “Bom dia! Para onde vamos?”, ele perguntou. Após dar o endereço da firma, seu Iguis se mostrou simpático: “Agora que você fechou a porta do carro, vou tocar uma música para você relaxar”. Nunca vi alguém tão certo de que eu gostaria de uma canção.

O batuque de “Velha Infância”, dos Tribalistas, subiu no som do táxi e ele me perguntou se eu conhecia a música. De repente, milhares de memórias invadiram a minha mente. Tribalistas foi a banda da adolescência das minhas amigas mais apaixonadas. No 1º e no 2º ano do colegial, as cartas de amor eram todas escritas com essa trilha sonora ao fundo. Lembro até que, quando elas queriam ser mais “abusadinhas”, apostavam em “Já Sei Namorar”, que tinha aquele trecho do “já sei beijar de língua, agora só me resta sonhar”. A enxurrada de boas recordações foi interrompida pelo Seu Iguis.

– “Qual caminho você quer fazer, filha? Pega aí no EIZI o que tá melhor”, ele disse.

EIZI. O que era isso?, eu me perguntei. Depois de pedir para que ele repetisse por mais umas 5 ou 6 vezes, entendi. Ele queria dizer “Waze”, aquele aplicativo de GPS que indica os caminhos sem trânsito da cidade. Eu já tinha ouvido falar disso antes, mas pouco dei importância na época. Eu não tenho carro, nem dirijo. Na maioria das vezes, prefiro gastar 1 horinha garantida no transporte público do que ter esse conforto imaginário das 4 ou 5 horas no trânsito…

– “Ah! Não uso esse aplicativo. Aliás, nem dirijo”, eu disse, bem humorada, mas levemente envergonhada. Eu tenho 26 anos e nem carta eu tirei. Minha mãe vive dizendo que carta “é bom para casos de emergência” e eu sempre penso que em caso de emergência, eu provavelmente chamarei… um táxi.

Assim que me explicou as maravilhas do Waze, o Seu Iguis virou rapidamente para o banco detrás e apontou, todo orgulhoso, para um jornal encapado que tinha uma foto sua. “Dá uma olhadinha neste jornal! Fizeram uma matéria comigo (veja versão online). Também estou na Band News”, ele disse. Parece que só eu não conhecia o Seu Iguis.

Naquela manhã, o taxista simpático natural de São Bernardo do Campo vestia camisa polo com um cardigã creme por cima. Tinha os fios praticamente todos brancos e já apresentava uma certa dificuldade de audição. No trânsito, era um verdadeiro showman: queria me mostrar tudo o que seu carro hipertecnológico tinha.

– “Você quer a senha do wi-fi? Quer cantar no karaokê? Tem aquela música, “Epitáfio”. Tenho mais de 20 aplicativos aqui para melhorar o serviço. Aliás, esse aparelho aqui tem uma apresentação da cidade de São Paulo em 8 idiomas diferentes. Conhece essa música aqui (“Corazón Partio”, de Alejandro Sanz)? Com ela, dá pra aprender espanhol! Quer uma balinha? Essa aqui é muito boa…”

Ouvir o Seu Iguis todo animado com as novas tecnologias e com os serviços personalizados de seu táxi me deixava, de certa forma, bem humorada. Foram 30 minutos no carro dele e meu dia, pré-destinado ao cansaço mental, nem pareceu tão ruim assim.

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