Desci no Aeroporto Internacional de Los Angeles, o famoso LAX, totalmente desorientada. Fazia exatamente 22 horas desde que eu tinha dado um “até logo” para toda a minha vida em São Paulo e embarcado para a Califórnia, e meus olhos ardiam mais do que eu podia suportar – não de tanto chorar no caminho, mas de tanto tempo que eu havia passado com as minhas lentes de contato grudadas na vista. Sempre tive um problema sério com aviões: aconteça o que acontecer, eu nunca levanto para ir ao banheiro, nem tiro minha bagagem de mão do lugar. Portanto, colocar meus óculos e deixar que meus olhos descansem sempre fica fora de cogitação.
Na chegada a Cidade dos Anjos, eu só conseguia cantar aquela música da Miley: “I hopped off the plane at LAX with a dream and a cardigan. Welcome to the land of fame, excess, ohhh, am i gonna fit in?”. Um moço moreno, com uma plaquinha, me esperava e não demorou muito tempo para ele me arrastar para o estacionamento e me enfiar numa van, que me levaria de Los Angeles a Santa Barbara, para eu finalmente conhecer minha casa nova pelos próximos 6 meses.
Dias antes de embarcar, uma carta com os dados e hobbies da minha host-family chegou lá em casa. O sulfite, preenchido apenas até a metade, dizia que eu ficaria na casa de uma mulher chamada Marie Ledesma, de 55 anos. Ela tinha dois filhos, 2 cachorros e adorava acampar. Fiquei animada para conhecê-la, já que o papel também afirmava que ela curtia andar de bicicleta e ir a praia. Eu amo praia. A única coisa que não tinha me agradado muito era a localização da casa de Marie, em Goleta, cidade ao sul de Santa Barbara. Isso significava que eu teria que pegar um ônibus demorado até chegar ao centro para ir a escola. Mas, assim que a van do senhor José passou a placa de limite entre as duas cidades, eu soube que algo estava errado.
– “É aqui? Aqui é a casa da Marie?”, eu perguntei, timidamente, para o motorista da van, que não me deu a mínima e saiu do carro para tirar minha mala para fora.
– “Está entregue! A sua host-family é a família Cook”, ele disse, apontando para a placa na entrada com o nome da família. Logo em seguida, bateu na porta e lá veio ele, o Steve.
O Steve era professor em duas universidades da cidade, a University of California Santa Barbara e o Santa Barbara City College. A princípio, só fez questão de dizer “oi” e arrastar minha mala para dentro.
– “Ainda não sei em que quarto você vai ficar. Espera a Terri chegar que ela vê isso. Só peço que não faça barulho porque tenho que continuar escrevendo o meu livro”, ele disse, bastante seco. Fiquei com o pé atrás. Não que eu esperasse balões de boas-vindas, nem uma torta americana, muito menos um twerk coletivo em minha homenagem, mas eu queria conversar. Foram 22 horas calada, lendo meu “O Garoto do Conves”, que meu irmão me deu na hora da despedida, eu merecia. Então, eu simplesmente falei. Quando o Steve saiu andando para a biblioteca enorme dele, eu fui atrás e arranjei um jeito de contar que eu era jornalista. Ele ficou encantado com uma garota tão jovem já formada e trabalhando na área. Só deixou de falar comigo quando a Terri apareceu.
Quando vi a Terri pela primeira vez, quase ri alto na cara dela. É que ela era bastante parecida com a Bruxa Onilda, personagem de uma série de livros da qual eu era bastante fã na minha infância. Terri era branca-rosada, tinha olhos claros e cansados, quadril desproporcional ao resto do corpo e um sorriso que você sabia: era sincero. Não sei como é que ela não se assustou comigo. Naquela altura do campeonato, meus olhos realmente estavam muito vermelhos, típicos de quem passou dias consumindo seguidos substâncias ilícitas.
Depois de me acomodar no meu quarto duplo (que eu dividi com a Trine, veja post), a Terri perguntou se eu não queria ir conhecer a cidade. “Só se você não estiver muito cansada”, ela disse. Mesmo capotando de sono, eu respondi que não. Terri e eu saímos com o santana branco dela ouvindo alguma rádio muito intensa para uma recém-chegada nos Estados Unidos. Fiz uma cara de transtorno tão óbvia que ela resolveu me tranquilizar.
– “Quando você entender tudo o que esse rapaz está falando sem precisar se concentrar muito, isso já vai ser um grande avanço”, ela disse. A Terri também era professora universitária e isso me animava. Morar com dois professores de inglês durante seis meses me ensinaria muita coisa.
– “Aqui é o escritório onde você pega tickets de cinema mais baratos”, ela disse na primeira parada, uma casinha rosa adorável com arquitetura espanhola. “É só virar uma assinante desse clube que você recebe vários descontos, continuou.
A Terri prossegiu em sua apresentação da cidade. Fomos até a avenida mais famosa, até o pier… Ela também me mostrou a escola onde eu estudaria. “Você gosta de bike?”, ela perguntou. “Dá pra vir tranquilamente de bicicleta até aqui”, ela respondeu. Queria dizer para a Terri que eu não era muito uma pessoa do esporte, mas deixei pra lá. Assim como também deixei de lado outras possíveis “intervenções negativas” nos dias seguintes a minha chegada.
– “Você gosta de cozinhar?”, a Terri perguntou quando cheguei da escola certo dia.
Eu disse que sabia o básico, mas que cozinhar era legal. Ela então me arrastou para a cozinha e me fez limpar lulas. Foi um dos dias que mais me senti quebrando regras na vida. É que ninguém da minha família era tão apaixonado por culinária como a Terri e eu nunca imaginaria que tiraria comida do cu duma lula algum dia na minha vida. Hoje, toda vez que olho para o cardigã verde que eu vestia naquele dia, que ficou todo manchado com o líquido preto que sai do molusco, começo a rir sozinha.
O que eu mais gostava na Terri era que ela era veterana nessa coisa de hospedar estudantes. Tinha 20 anos que recebia intercambistas de todo o mundo e já tinha passado por todo tipo de experiência com gente, coisa. Vivia me contando que nunca teve meninos e meninas juntos na mesma casa.
– “Ou só hospedo meninas no semestre, ou só meninos. Senão dá problema”, ela afirmava, dizendo ainda que no começo, quando seu filho, Ian, entrou na adolescência, fez questão de não trazer meninas para morar em casa. Eu achei a decisão racional.
O Ian, filho da Terri com o Steve, já tinha minha idade quando cheguei para morar na casa deles. Era branquinho das bochechas vermelhas, alto tipo dois-de-mim, forte e… gato demais! Já não morava mais na casa dos pais, mas toda quarta-feira ia jantar com a gente. Sentava na mesa com cara de marrento, mas logo começava a gargalhar com a quantidade de maluquices que eu e minhas roommates falávamos a mesa.
O Ian era bombeiro e sempre chegava com o veículo vermelho do plantão na casa da Terri. O ritual era o mesmo toda vez: entrar chamando pelos pais, cumprimentar o Eddie, nosso beagle idoso, tirar os sapatos e esperar o jantar ser servido conversando sobre a faculdade com o Steve. Numa semana de calor de maio, o Ian esqueceu que os pais tinham viajado de férias e entrou pela porta perguntando se o jantar estava pronto. Eu, bem cara de pau, respondi:
– “Ian, acho que o jantar não está pronto e não vai ficar pelos próximos 3 dias. Seus pais viajaram, esqueceu? Mas vem cá que eu vou fazer uma coisa para você beber”, eu disse, fazendo com que as outras 4 meninas da casa ficassem chocadas. É que elas não tinham coragem nem de falar “oi” para o Ian de tão… tão… tão intimidador que ele era.
– “O que vai nisso? Não posso beber álcool porque estou no meio do expediente”, ele disse, não muito certo do que falava.
Misturei vodca, abacaxi, água, açúcar e gelo no liquidificador e fiz o meu famoso “suquinho brasileiro” para o Ian. Ele tomou 3 copos da bebida e, quando viu que estava mais solto, resolveu ir embora. Eu entendi: a coisa estava ficando série entre a gente, já que até de sair de balada juntos já estávamos falando. Quando a Terri voltou de viagem, brinquei com ela dizendo que havia tentado seduzir o Ian, mas que não tinha dado muito certo. Ela riu:
– “Mas você nunca fez esse suco pra mim? Por que não faz hoje para eu ver se é tão bom assim?”, disse a Terri.
Naquela noite, a Terri bebeu quase meio litro do meu “suquinho brasileiro”. Saiu pela casa toda serelepe, cantando e dançando Elvis Presley para o Steve, que depois de muito tempo deve ter tido horas de “muito trabalho” na cama.
Antes de ir embora da casa da Terri, em junho, eu escrevi um bilhete enorme de agradecimento que a fez chorar. Já no Brasil, comprei um livro de culinária brasileira maravilhoso para ela. Já faz 4 anos. E ainda não enviei.
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Ah Aline, não acredito que tu não pegou o Ian super gato!
Envia esse livro de uma vez, ou volta lá entrega e aproveita pra pegar o Ian, HUAHUAHUAHUHAUH