73. Val, a vendedora de bijus da noite de ventania


Depois de três dias de calor intenso, eu tinha certeza que o verão tinha vindo para ficar em São Paulo. Apaixonada pela estação, tirei uma das minhas saias do guarda-roupa, vesti uma regata e lá estava eu, pronta para não passar calor em mais um dia de trabalho. Apesar de me sentir mais animada em dias de altas temperaturas, há uma coisa, em especial, que me desagrada em ambientes corporativos durante essa época: os moços que eu chamo de “controladores de ar-condicionado”. Pode prestar atenção! Se do lado de fora está fazendo 20 graus, do lado de dentro está 12. Se está 30, dentro fica 15. Por esse motivo, nunca saio de casa sem uma blusa na bolsa. E, naquele dia, eu não poderia ter sido mais previnida.

A noite mal parecia continuação do dia maravilhoso que eu tinha acabado de viver. Chegamos no nosso bar favorito (caramba, esse bar já está virando tipo o bar dos funcionários de ‘Amor à Vida’) e a ventania começou. Guardanapos da mesa voando, cheiro de chuva subindo mas, ainda assim, a incrível sensação de uma “véspera da véspera de fim de semana” (amo quinta-feira!). Naquele dia, éramos 6 na mesa, o que garantiu que fechássemos o bar, que segue a linha “até o último cliente pero no mucho”, às 1h15 da manhã, mesmo sentindo bastante frio. Mas não fomos embora sem antes conhecer a Val.

A Val era uma vendedora de bijus e outras bugiganguinhas que andava toda a região de bares da Paulista para ganhar a vida. Naquela noite, usava um vestido étnico preto e branco comprido que evidenciava o seu barrigão de grávida. Deve ter pensado a mesma coisa que eu antes de sair de casa: que não, não faria frio. A Val já estava com 5 meses e, só na semana seguinte ao nosso encontro, é que faria o exame para saber o sexo do bebê. “Eu aposto que é um menininho, Val!”, eu disse. É uma coisa minha isso de apostar em menininhos. Eu prefiro meninos, sempre. Não tenho muita paciência para a cultura machista de roupas cor-de-rosa, fantasias de princesa, barbie patinadora e férias no castelo da Cinderela da Disney que ainda impera no mundo todo.

Natural de Jericoacoara, no Ceará, a Val “estava louca para voltar para casa”. Morava em uma pensão numa travessa da Avenida Brigadeiro Luís Antônio e pagava R$ 32 de diária para se manter em São Paulo. Naquela noite, ela tinha um problema e era dos graves.

– “Meninas, por favor levem uma correntinha. Olha essa que bonitinha”, ela quase implorou. “É que ainda faltam 16 reais para eu completar o aluguel do dia na pensão onde moro”, ela disse, humilde, simpática, delicada, mas obviamente desesperada com a falta de dinheiro e quase chorando.

Uma das minhas amigas comprou uma correntinha (coisa de 5 ou 6 reais) para ajudar e, mais tarde, ficou tão sensibilizada que também completou o dinheiro da pensão da Val. De presente, ela recebeu não só uma correntinha extra para “dar para uma amiga”, como disse a própria vendedora. A minha amiga também ganhou de presente a confiança da Val, que disse que ia ao banheiro e nos deixou “cuidando” de toda a sua mercadoria sem nem se preocupar. Ela tinha certeza que tudo estaria no mesmo lugar quando ela voltasse.

5 thoughts on “73. Val, a vendedora de bijus da noite de ventania

  1. Que amor sua amiga e a Val, tomara que ela tenha conseguido retornar ao Ceará, e que tenha sido um menininho euheuheuehuhe. Eu também acho muito chato essa coisa de menina-rosa-princesa-bonequinha e etc!

    <3

  2. Eu fico muito comovida com essas histórias de pessoas que saem do lugar onde nasceu, para tentar a vida em outro totalmente diferente e longe da família.

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