77. Cabrita, o John Mayer de Belo Horizonte

JohnLife is a beautiful thing. Pack a bag. Make a playlist. Watch the world. Dont speak. Just Listen.

Era um domingo de Carnaval agitado numa cidadezinha universitária no interior de Minas, e eu tinha feito um esforço fora do normal para me livrar das abordagens do cara mais alto da festa na república, que cismou que ele precisava me ensinar a dançar sertanejo, assim como também cismou que precisava me encher de beijos. Aquela era uma dessas noites que costumo chamar de ‘noites de pilequinho’, mas, mesmo no auge das minhas 9 cervejas e dos meus 2 drinks de procedência desconhecida, eu não estava afim de ficar com ninguém. “Vim pro Carnaval só pra curtir com as minhas amigas mesmo”, eu dizia pra todo mundo que tentava se aproximar. Sofro da “síndrome da seletividade” e, por isso, me encanto cada dia menos por caras aleatórios. No meio daquela bagunça, daquele monte de ‘só vim aqui pra dançar’, eu só conseguia me lembrar mesmo é da Valdirene, personagem icônica da Tatá Werneck na novela “Amor à Vida”. De bode da galera que pensa que pegação é o único “sinônimo” de diversão, eu só repetia na minha cabeça o bordão “é que eu sou difícil-dificílima”. Só depois de dançar o “Lepo Lepo” 4 vezes e o “Pac Man” 3 é que eu decidi encostar em umas caixas de cerveja no corredor mais bem iluminado da casa e só assistir. Durou, no máximo, 5 minutos…

“Pô, é você! Sério que você me acha mesmo parecido com o John Mayer?”, uma voz meio “Justin Bieber na puberdade” me questionou.

O cara em questão, descobri, se chamava “Cabrita” – calma! É que todos os rapazes da república em que ficamos tinham um apelido e o dele deveria ser esse por causa da barbixa e da trança fina e única saindo da parte de trás do cabelo. O Cabrita eu já conhecia de vista. Na noite anterior, eu tinha ficado ainda mais animadinha com o open bar do lugar, e cambaleava de volta pra ‘casa’ quando o avistei. Ele estava de óculos, usava uma calça clara e uma camisa surradinha branca que – sério -, lembrava o meu muso de “Gravity”, John Mayer.

– “Putz, mas agora vendo você sem óculos escuros não tem nada a ver, hein?”, eu disse, caindo na gargalhada enquanto o Cabrita também se aconchegava nas caixas de cerveja da festa.

– “Você fala isso agora, que tá todo mundo me zoando porque você me chamou de John Mayer?”, ele perguntou, jogando a culpa das ~zoeira sem limites~ pra cima de mim.

Revivi toda a cena do dia anterior na minha cabeça e lembrei que quando chamei o Cabrita de John Mayer, ninguém mais estava por perto. A minha vontade era de dizer “olha, meu filho, a não ser que eu entre em coma alcóolico, eu lembro de quase tudo o que acontece nos mínimos detalhes”, mas, com meu jeito debochado, disparei:

– “Meu bem, tão te zoando porque você é um fofoqueiro e ficou contando pra todo mundo que alguém na festa de chamou de John Mayer!”, eu disse, só vendo a cara dele de sem graça.

O Cabrita era natural de Belo Horizonte e era um dos moradores da república onde estávamos hospedadas em Ouro Preto. Tinha 25 anos, dividia o quarto com mais dois caras e, antes de fazer Direito (ele estava no 5 período), tinha cursado História numa cidade ali perto, chamada Mariana. “Deixei porque não concordava com a metodologia de ensino”, ele se justificou. Ele bem que passou uns 10 ou 15 minutos tentando me explicar o que tinha de diferente nas aulas dos dois cursos, mas eu não sei se estava muito a fim de entender.

– “Poxa, mas que legal que você fez História. Eu queria fazer História ou Filosofia, mas só por hobbie mesmo. Só que 4 anos pra um hobbie é tempo e dinheiro demais, cara!”, eu o interrompi.

O moço de BH entrou no assunto ‘dinheiro’ quando eu perguntei como era morar e dividir tudo com mais 15 caras. “Deve ser uma loucura isso aqui, hein?”, eu disse.

– “Agora eu tenho bolsa de 60%”, ele começou. “Não sei se eu deveria te atormentar com essa história, mas vamos lá! Quando estiver chato, me avisa que eu paro”, ele avisou.

A família do Cabrita tinha bem pouco dinheiro. Quando ele se mudou para a república, tinha um auxília de cerca de R$ 250 em moradia do governo e só. Me disse que quando chegou a cidade, procurou o plano de celular mais barato existente para poder socializar com a galera e, quando ligou para o pai para pedir que ele pagasse os 32 mensais da TIM, o velho quase morreu de orgulho. Deve ter pensando “ah, meu filho tá se ajeitando com a sociedade”.

– “Foi a única coisa que pedi pra ele. De resto, eu me virava. Ganhava uma grana por aí. Mas foi tenso pra me manter. Eu fazia experiências com grana aqui”, disse o Cabrita.

– “Como assim experiências?”, eu perguntei.

“Ah, quanto é que você acha que é o mínimo pra sobreviver, passando algumas vontades e tal, num mês? Quanto custa, no mínimo, a vida que você leva hoje mensalmente? Entende? Eu fiz essas experiências e cheguei à conclusão que conseguiria ficar na cidade com 181 mensais. Quando meu pai morreu em um acidente de carro, no ano passado, a única coisa boa que aconteceu foi que minha bolsa aumentou pra 60%”, disse ele, me deixando meio mal. “Tá, vou parar com essas histórias tristes. Você não quer ouvir, né?”, ele perguntou.

– “Claro que quero! Conta aí, desabafa!”, eu disse.

E ele desabafou. O Cabrita e eu conversamos tanto tempo que todos os caras que já tinham chegado em mim passavam por nós com cara de descrença. “Caramba! Ela não ficou comigo e vai ficar com ele?”, estampavam em suas testas. Não sei qual era a do Cabrita em relação a mim, mas que ele saiu rindo da conversa, isso ele saiu. E eu fiquei feliz por não ser escrota. Sou tão ansiosa e intolerante de vez em quando que, às vezes, esqueço que algumas pessoas só precisam mesmo é de alguém pra ouví-las.

3 thoughts on “77. Cabrita, o John Mayer de Belo Horizonte

  1. Tão legal do fato de cada história tua ter uma moral bem bonitinha que pode ser aquelas frases que a gente acha na net por acaso, se identifica e posta no twitter/facebook, sabe? Haha Beijinhox

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