No minuto em que vi um homem branco e baixinho, de calça jeans e camisa polo da Hugo Boss, distribuindo dinheiro numa praça lotada de pessoas nada financeiramente avantajadas (algumas delas até embebedadas por Aguardiente, bebida típica da Colômbia, logo pela manhã), eu deduzi: aquele só podia ser Don Rigo. Meus olhos deviam estar, no mínimo, arregalados e brilhando, já que a Meli, a amiga que fui visitar em Medellín, me observava com um sorriso largo no rosto. Eu estava surpresa – e muito! – provavelmente pela primeira vez naquele país. É que até aquele penúltimo dia da minha viagem, eu tinha encontrado boas histórias sim, mas nada que me impressionasse tanto, nada que me fizesse abrir um novo espaço no canto direito do blog, aquele para ‘as minhas pessoas favoritas’.
– “Meli, ele está mesmo dando dinheiro para essas pessoas?“, foi a única coisa que eu consegui perguntar.
Meli abriu um sorriso ainda maior do que o que ela já carregava e balançou a cabeça para confirmar que o que eu via era real.
Antes de falar qualquer outra coisa, eu pensei muito. Pensei em como aquele pequeno povoado de Jardín, há 2 horas de Medellín, era adorável, em como as pessoas ali pareciam com as de Ouro Preto, no Brasil, e pensei também em como eu, como jornalista, estava de cara com uma matéria de capa sensacional para uma dessas revistas internacionais de economia. “Como vive o maior produtor de café da Colômbia”, eu colocaria no título. Meu pai provavelmente compraria a edição, enquadraria e penduraria na nossa sala, no mesmo cantinho em que expõe a minha foto vestida de cowgirl de quando eu tinha 11 anos.
O Don Rigo apareceu na minha vida bem por acaso: ele era o pai da Marcela, uma das melhores amigas da Meli e, antes do passeio, eu já tinha sido avisada que ele era um cafeicultor ricaço que detinha “só” um dos maiores impérios de café do país da musa Shakira.
– “Ali es de Brasil, papa”, disse a Marcela, em espanhol. Anteriormente, ao telefone com Don Rigo, ela já tinha falado sobre mim, mas meu nome não pareceu tão fácil assim de decorar e, por esse motivo, adotamos um apelidinho.
Don Rigo me olhou com curiosidade quando me encontrou, em um dia em que sua agenda estava um pouquinho conturbada. Ele sorriu e perguntou se iríamos fazer um tour pelo cafezal dele, que ficava há pouco menos de 10km do centro de Jardín.
– “Como no, papa?”, brincou a Marce. Eu só observei, sorrindo, já que provavelmente pagaria muito mico com o meu portunhol “malíssimo”.
Antes de nos aventurarmos nas plantações, andamos com Don Rigo até um café vermelho de esquina ali mesmo no centro. Lá, encontramos mais três ou quatro caras que deveriam trabalhar para Rigo. Um saiu para pegar um carro com o que parecia ser o segurança da família e os outros dois só observaram a aproximação de um velhinho de calça branca suja e camisa azul marinho.
Com fisionomia triste e os olhos lacrimejando, o senhorzinho levantou uma das mãos com um papel que parecia ser de uma conta a pagar e, baixinho, pediu para Don Rigo:
– “Senhor, me ajuda, por favor!”
Don Rigo olhou nos olhos do velhinho, pegou o papel nas mãos e, primeiro, tirou uma nota de 10 mil pesos (equivalente a aproximadamente 10 reais). Quando viu que ele precisava de mais, tirou uma nota de 50 mil pesos e também deu ao senhor, que agradeceu a generosidade mais de uma vez. E eu voltei a ficar chocada, de olhos arregalados, provavelmente porque nunca tinha visto uma cena dessas nos meus 26 anos de vida. Rigo, obviamente, percebeu a minha surpresa. Tirou os óculos escuros de marca do rosto, olhou com ternura nos meus olhos e me fez, por um momento, acreditar ainda mais na humanidade:
– “Niña, escucha una cosa: de esta vida, no se lleva nada”, ele disse.
Sério… Se eu tomasse coragem para fazer uma nova tatuagem, provavelmente essas seriam as palavras que eu marcaria pra sempre no meu corpo.
O carrão que nos levaria para a fábrica e depois para a fazenda de Don Rigo chegou bem quando eu ainda assimilava a frase do pai da Marce. Observei as pernas um pouco confusas na hora de andar de Don Rigo e me lembrei do meu pai. O Seu Rubens (uma das pessoas que eu queria muito que vocês conhecessem um dia!) tem 62 anos e, quando corre, me faz rir sem parar. É que ele tem pernas curtas e desajeitadas e, provavelmente, não brincou de pique-esconde o suficiente quando era criança.
– “Você parece o meu pai, Don Rigo!”, exclamei, sorridente, para ele, que tinha só 56 anos, seis a menos que o meu velho. Ele sorriu, lisonjeado.
Entrei no carro com a Meli, a Marce, Don Rigo, o motorista (que mais tarde descobri que era da família) e o segurança. Nossa primeira parada foi na fábrica de café, que também era do dono desse post. Chegamos no portão de entrada e lá se viam várias placas de ‘perros bravos’ (cachorros bravos em espanhol), o que me deixou um pouco com medo, já que cachorro não é muito um animal que me curte (eles devem sentir de longe meu cheiro de gato). Don Rigo desceu do carro puxando papo e cumprimentando todos os funcionários que viu pela frente. Ao todo, 50 pessoas trabalham naquela firma.
Don Rigo não foi quem me apresentou a fábrica. Afinal, ele tinha uma pupila para tal: a Marce. Ela, que fez Gestão de Empresas na faculdade, será a herdeira de tudo aquilo (junto com outro irmão) e parece estar se dedicando muito ao negócio da família. Me mostrou a área de testes, a área de ensacamento do café (cada um dos milhares de sacos médios que tinha naquela fábrica custava R$ 600 reais!) e o estacionamento das “mulas”, os caminhões que levam a mercadoria até os compradores do grão. Eu continuava surpresa.
Era hora de subirmos para o cafezal. Entramos novamente no carro e trilhamos no meio de uma imensidão de morros. Don Rigo apontava toda vez que virávamos uma curva:
– “Aquele é meu. Aquele ali também é meu. Aquela plantação lá na frente também”, dizia, com voz animada e não esnobe. No total, eram 300 mil hectáres, se eu bem entendi.
A cada 4 ou 5km, Don Rigo parava em casinhas construídas no meio de suas plantações para os colhedores de café – e conversava com todo mundo numa simpatia que eu tinha notado em pouca gente. Uma das casas tinha uma área grande e coberta do lado de fora com uma pequena TV, que exibia jogos da Copa do Mundo. No calor de mais de 30 graus, os funcionários assistiam, deitados em banquinhos, o jogo entre Argentina e Irã.
Fomos até o topo dos “morros de Don Rigo” e ele, ainda muito orgulhoso por poder me apresentar a terra dele, me perguntou:
– “Que dices de la vista?”
Eu suspirei e soltei um “maravilhosa” em espanhol.
Antes de voltar para casa da Meli, fiquei sentada na varanda enorme de Don Rigo, olhando para o nada e sentindo o que eu não sentia por inteiro há muito tempo: a tranquilidade de uma das minhas músicas favoritas do Jack Johnson. Essa aqui ó.
* A parte do “maior cafezal da Colômbia” foi só para caber no título. Queria mesmo é colocar “o dono de um dos maiores cafezais da Colômbia”.
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Ei Aline, tudo bem?
Vi seu blog no indicados da Pequenina Vanilla e amei!
Achei a proposta genial e li ele todo de uma vez!
Acabei fazendo um post mais ou menos sobre ele no meu blog, e sobre uma ideia que eu e minha amiga tivemos depois de conhecê-lo.
Espero que isso não te incomode!
Beijos e parabéns!
Vim aqui dizer que li no blog de uma amiga a respeito do seu, e é justamente a amiga que a Ana Lu cita no comentário acima. Adorei! Me fez pensar nas pessoas que conheci na minha vida também.
Obs: Apenas super curiosa com seus próximos personagens! Parabéns!
Parabéns pelo texto!
Muito bacana sua leitura de mundo, seu olhar sobre as pessoas especialmente. Estou me lançando também a escrever alguns textos num blog (http://decidiescrever.wordpress.com/), admiro sua naturalidade para discorrer sobre experiências vividas.
Boa sorte.