99. As irmãs de Piraju

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Posso contar em uma só mão as vezes em que, neste ano, saí para algum show. Eu adoro música, amo dançar – apesar de ser levemente desajeitada na pista – e até sonhei, naquela fase tensa e confusa da adolescência, em ser uma popstar dessas tipo a Taylor Swift, mas o negócio é que eu me recuso a sair de casa para ver bandas de quem eu sou “mais ou menos” fã. Pra mim, ir num show significa cantar do começo ao fim todas as músicas, ou pelo menos a maioria delas. E deve ser por este motivo que os meus amigos me olharam com descrença quando eu, no ápice do meu fanatismo por Foo Fighters e Ed Sheeran, comecei a soltar nos rolês com a galera que eu gostaria de ir num show dos sertanejos Marcos & Bellutti só para gritar bem alto, e com o coração, ‘Domingo de Manhã’. E pior (ou melhor!): confirmar que não, eu não estava de brincadeira.

Ainda estão aí depois de eu ter citado Marcos e Bellutti? Que bom! Preciso contar que, apesar de ter ido cobrir a Festa de Peão de Barretos uma vez, em 2013, e ter curtido bastante a experiência, esta é a primeira vez que, de fato, eu acho uma música sertaneja incrível em todos os níveis possíveis. “Impossível você pensar assim. Será que não se lembra de ‘É o Amor’, de Zezé e Luciano?”, me questionam. Juro que não sei, mas tem algo em “Domingo de Manhã” que me faz, instantaneamente, começar a cantarolar feliz. E foi por isso que, dia desses, praticamente invadi um bar com música ao vivo só para cantar essa lindeza.

Era aniversário de uma amiga e, apesar de a comemoração cair num domingo (domingos pra mim servem apenas para comer e ver TV), me dei a chance de curtir uma cerveja, uns bolinhos de bacalhau e umas conversas doidas na Vila Madalena, uma das regiões mais badaladas de São Paulo. Não que eu seja muito fã de regiões e rolês “badalados”.

Uma hora depois de eu chegar, uma dupla começou, no bar em frente ao que eu estava, os acústicos. Quando o “Tááá…Com voz de sono…” ecoou, eu não resisti. Com a aniversariante, atravessei a rua correndo, desviando dos carros, e, depois de um papo rápido com o garçom para garantir que eu não pagaria entrada (odeio lugares onde cobram entrada), corri para a cara do palco, cantando minha música em português favorita sem me importar com quem olhava.

A minha diversão-ao-extremo cantando “Domingo de Manhã’ durou menos do que 5 minutos, e eu sabia: nada mais de tão incrível aconteceria naquela noite. Mais uma vez, eu estava errada. Nada como aquele um segundinho do dia em que tudo, absolutamente tudo que estava normal, de repente é tomado por momentos inesperados. E melhor ainda: quando a surpresa acontece por causa de pessoas.

Sentei no espaço reservado para a festa da minha amiga e vi que, na mesa ao lado, estavam elas, as irmãs de Piraju, uma cidade no interior de São Paulo. Uma morena, outra loira. Uma exibindo uma maquiagem firme e forte, um rosto mega retocado e uma pose firme, enquanto a outra, apesar do salto alto, da calça de couro justa e cara, mal conseguia olhar nos olhos de tão prejudicada pós-bebedeira. As irmãs de Piraju já tinham fechado a conta, mas continuavam sentadas. Trocavam poucas ideias, já que só uma delas conseguia, de fato, falar coisa com coisa:

“Vê se não são as moças de Piraju”, gritou, em tom de brincadeira, a minha amiga aniversariante, que também é do interior e que também estava bem alterada. Minha amiga contou que, anteriormente, encontrou as moças na porta do banheiro do bar e teve um pequeno mal-entendido com a mais bêbada.

A irmã que ainda estava “viva” olhou rindo e deu brecha para que eu, que amo uma boa história, convidá-las para interarir. Chamei:

– “Pô, vamos juntar Piraju e São Paulo na mesma mesa. Vem pra cá, vem pra cá, Piraju”, eu disse, pensando que estava dando uma revivida no tom de voz de Silvio Santos toda vez que chama alguém ao palco. Ninguém entendeu muito bem, mas todo mundo riu e isso me bastava.

As irmãs de Piraju já estavam na casa dos 40 e pareciam ter ido ao bar para discutir assuntos familiares. A bonita e retocada era advogada civil. Resolvia assuntos relacionados a casamento, separação e herança.

– “Você não tem noção de quanta coisa ruim eu já vi. Tudo por causa de briga por herança. Dá até uma desanimada, sabe?”, contou.

A advogada falou bastante sobre sua cidade. Dividiu lembranças de Piraju com outras pessoas da mesa e parecia realizada em ver que muita gente conhecia o lugar onde ela nasceu. Também falou de coisas tristes: disse que havia acabado de ficar solteira e justificou o término com a quantidade de horas extras que ela e o ex faziam em seus respectivos trabalhos. Não me aprofundei muito no assunto. Percebi que aquilo doia nela. Ela, provavelmente, não tinha sido a pessoa que decidiu pela separação. Ela era a pessoa que havia levado um pé na bunda. “Que coisa, não?”, eu pensei. “Uma especialista em resolver problemas familiares e dar soluções para tretas que envolvem pares não conseguiu resolver o próprio problema”, conclui. Surpreendente essa vida. Incerta essa vida.

Meus 8 ou 9 copos de cerveja já não se aguentavam mais dentro de mim. Eu precisava dar um jeito naquilo. Saí para ir ao banheiro e pensei que eu tinha que ser rápida. Não exatamente porque eu estava apertada, mas porque eu ainda tinha que saber sobre a vida da outra irmã, que parecia ser a prejudicada de verdade naquele dia. Na saída do toilette, dei de cara com ela.

– “Você está bem?”, eu perguntei.

Quando ela começou a responder, pareceu sentir uma reviravolta complicada no estômago. Entrou correndo para o banheiro, fechou a porta e só saiu de lá quase 25 minutos depois, carregada pela irmã advogada civil.

– “Gente, foi um prazer! Vou ter que ir embora. Minha irmã está com uns problemas. Bebeu demais”, se despediu. E me fez ter a certeza: quase sempre não há conhecimento teórico que resolva um problema real. Você pode ser a melhor advogada civil do planeta, mas boa parte dos problemas da sua vida pessoal ficarão sem solução.

E saiu pela porta do bar lotado carregando a loira. Sai pouco tempo depois, confundindo um pouco o passo, mas feliz de, num dia só, ter vivido dois momentos que vão ficar na minha memória por um bom tempo.piraju

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