Cheguei em casa numa segunda-feira à noite e vi carros em frente a casa amarela arrumadinha que dava de frente para a grande avenida do bairro. Já sabia que as coisas não andavam muito bem: aqui na vizinhança, a notícia de que ela, que (quase) sempre teve os mais lindos cabelos grisalhos dos arredores, não estava muito bem espalhou-se rapidamente. E todos nós já sabíamos. Todos nós já esperávamos. E todos nós também sentíamos muito.
Não sei dizer precisamente, mas lembro de estar em casa há uns 5 anos e de ouvir minha mãe chegando com a notícia de que ela estava com Alzeheimer. Aconteceu exatamente na mesma época em que aquela novela, “Senhora do Destino”, retratava o caso nas telas. Eu era mais nova, muito menos informada e não entendia muito bem o quão sério podia ser tudo aquilo, mas eu lembro de juntar todos os pensamentos positivos dentro de mim e dedicá-los a ela.
O tempo passou. Há uns 3 anos, a vi brincando com uma boneca. Ela estabelecia com o brinquedo uma relação estranha. Parecia que estava conversando com ele através de olhares apenas. Eu observava e sentia ali dentro tudo isso. Via que enquanto ela se perdia na realidade ao seu redor, se refugiava no mundo da tal boneca.
Há pouco tempo, antes de pegar aquele avião que me levou pra longe, a vi novamente. Estava em sua sacada, sendo auxiliada por uma de suas cunhadas. Dava tchauzinho para mim e para a minha família. Foi lindo vê-la mostrando todo aquele carinho mas, ao mesmo tempo, era triste constatar que não, ela já não lembrava quem éramos.
Agora penso que, talvez, ela estava fadada a isso desde sempre… A ficar no mundo das fantasias, no mundo da lua. A dona do cabelo grisalho viu todos nós crescendo e esboçando em nossos rostinhos algumas teorias bem inacreditáveis: ria da gente quando pensávamos que éramos os Power Rangers; gargalhava quando contávamos que os tubos em frente a nossa casa nos davam superpoderes, que ali poderíamos “morfar”… E ela nunca, nunca mesmo, nos contrariava.
Dona Luiza, que tinha o sobrenome “Neves”, fazia-nos lembrar da Branca de Neve. Era bonita, charmosa e era assim… Especial. Luiza era avó de Lais e de Lucas, meus melhores amigos durante a infância.
Aquela movimentação na frente da casa realmente era um sinal. Um sinal de que ali estavam os parentes passando os últimos dias ao lado de quem sempre lembrou, sempre cuidou e sempre amou, mas que agora vivia no mundo da lua.
A despedida dela veio alguns dias atrás. Me submeti a velórios e enterros pouquíssimas vezes na vida, mas por ela, pela nossa Branca de Neve, eu fiz questão de dizer o meu último adeus. Enquanto parada ali, em meio a orações gritadas e choros desesperados, fiquei desejando que mais Brancas de Neve estejam por aí, fazendo com que esses Power Rangers imaginários cresçam tão felizes como nós crescemos.
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Ataque de sensibilidade. Chorando!!!
Que lindo! Realmente, é uma doença muito triste.
Chorei aqui :’/ texto emocionante.
Queee lindo. Me derreti inteira pela hisória. Tive uma “Branca de Neve” assim, na minha vida. Minha vózinha.(Não, ela não sofreu de Alzheimer, graças a Deus.)Tinha os cabelinhos tãooooo branquinhos, olhos tão azuis que chegavam a sumir de tão clarinhos…Fazia nossos Natais mais felizes, faltava pouco se vestir de mamãe noel pra entregar seus presentes sempre no dia 25/12, às 16h…as visitas na casa dela eram sempre cheias de doces e coisas gostosas e em todas as datas comemorativas a família toda (que não é nada pequena)se juntava lá na casa da VÓ ELZA. Chegou a ter a felicidade de ter 13 bisnetos e mais dois estavam a caminho, mas ela não chegou a conhecer. Ela se foi dia 13 de fevereiro, numa quarta de cinzas e eu estava no Rio de Janeiro passando carnaval. Só consgui chegar na quinta e ficar pertinho dela pela última vez durante 15 minutos. A última vez que a vi (viva), foi na festa de ano novo da minha família, já cansadinha e sem aguentar quase nada (os seus 93 anos anos já estavam pesando), mas mesmo assim dançou funk (pois é..hahaha), se amarrou vendo as netinhas se tacando na piscina e ficou até o fim. Tão triste perder alguém assim. =/
Hoje em dia é tão raro conhecer os vizinhos que o texto para alguns pode ser surreal…
As pessoas que deixam crianças serem crianças e não lhes tiram a inocência ou a fantasia também estão em extinção… isso faz do seu texto, além de belo e tocante, ser raro e educativo. Sim, porque muitos não vivenciaram isso, e essa geração tampouco poderá experimentar esse gostinho…
Oi! Amei o texto, amo o blog! Tenho um blog onde deposito meus desabafos em forma de textos. Gostaria muito que dessem uma olhada por lá, É um projeto novo mas feito com muito carinho: carolsoaresdiz.blogspot.com.br sucesso e obrigada!