18. Ashley, a coreana santa que virou porra louca

ash
Bati na porta do quarto da Ashley às 8h da manhã do sábado para saber como havia sido sua volta para casa. É que na noite anterior tínhamos todas ido a uma festa universitária em Isla Vista* e quando, horas depois, dissemos que iríamos embora, ela foi a única que resolveu ficar. Sem sinal nenhum de que Ash estivesse ao menos viva, resolvi entrar bem devagar e checar se ela dormia na cama de cima da beliche, como de costume. E não, ela ainda não tinha chegado.

Ashley era coreana, tinha 20 anos e estudava no Santa Barbara City College. Seu maior sonho era o de se transferir para alguma universidade que a desse mais status quando ela voltasse para a Coreia do Sul, tipo a University of California Los Angeles ou a University of California Berkeley. Seu nome verdadeiro nem era Ashley. Era Do-ho-yam-alguma-coisa. Como ninguém nunca sabia falar direito, ela resolveu ter um apelidinho americano. Achei a ideia genial.

Como quase todo asiático que se preze, Ash não curtia muito sair para lugares lotados. Era mais calminha e gostava de programas de namoradinho, apesar de não namorar. Nunca dizia ‘não’ para um bom jantar e um cinema, tudo o que eu não curto fazer com amigas. Assim que me mudei para a Califórnia e começamos a morar na mesma casa, os hábitos dela mudaram bastante. Íamos para festas pelo menos 4 vezes por semana, sendo que tínhamos que acordar cedo todos os dias. Para curar a ressaca, ela comia, logo no café da manhã, uma salada com todas as verduras existentes no mundo – tudo com um molho fedido que impregnava em todos os cômodos da nossa casa.

Apesar de Ashley ser minha amiga, era a housemate com quem eu mais tinha quebra paus. Nós duas tínhamos a personalidade forte demais e nenhuma aceitava ser contrariada. Num dia, estávamos no meio do nada com algumas amigas esperando um táxi que ela havia pedido. Como o motorista demorou séculos para chegar, coloquei em prática o meu plano B: liguei para um party bus, que chegou em 5 minutos no local. Todo mundo achou o máximo, foi logo subindo e brincando no pole que tinha no fundão. Ashley pegou no meu braço antes de eu entrar e gritou um: ‘Aline, você tá maluca? Eu não vou nisso. Que porra você tá pensando?’. Irritada, eu gritei de volta um ‘Foda-se, fica aí sozinha então’. Pra não ficar sozinha na escuridão, ela embarcou no ônibus particular com a gente. Passamos três ou quatro dias sem nos falar depois disso.

Já passava da uma da tarde daquele sábado e Ashley ainda não tinha chegado. Terri, nossa hostmom, perguntava discretamente dela: “Nossa, a festa que vocês foram deve ter sido ótima ontem, não? A Ash ainda está dormindo”. Desconfiada e preocupada, eu só sorria, tentando ao máximo não dizer que “A coreana, agora uma porra louca assumida, tinha ficado na festa com um cara e não tinha voltado até aquele momento”.

Terri e Steve, nossos pais postiços, resolveram que iam para a missa. Pegaram a chave do carro e começaram a sair pela porta, observados por eu e mais duas roommates. Quando chegaram no meio do quintal, lá vinha Ashley. Estava quase irreconhecível: o cabelo era um mix de vômito com areia de praia e plantas, a calça jeans estava toda cheia de terra e côco, o cardigã branco estava amarelo e o rosto dela todo preto de sujeira. Espantada, mas cheia de humor, Terri perguntou:

– Oh, Ashley! Você levou um tombo?

Tive que me segurar muito para não rir. “Era melhor ter falado que tinha caído, né, porra?”, disse pra ela. Ashley entrou em casa tirando a roupa suja. O cheiro que saía dela era insuportável, tanto é que decidimos deixar para ouvir a história da noite anterior depois que ela tomasse um banho. Enquanto a coreana estava no banheiro, jogamos a calça e o cardigan sujos no latão de lixo. Ela nos agradeceria mais tarde.

Ash saiu do banho e nós a seguimos para o quarto. Ela logo contou que havia ido numa festa depois da que fomos e que lá bebeu mais do que o normal. Tinha vomitado no próprio rosto, além de no chão da casa e no sofá da moça que a abrigou. Rolou um pequeno morro na praia e disse não saber de onde vinha o côco na calça. “Mas era bosta mesmo?”, nos perguntou,  ‘fazendo a egípcia’.

Depois de rir da história, resolvi que também precisava de uma ducha. Fui ao nosso banheiro e, antes de tirar a roupa, olhei para a banheira e vi bolhinhas de sujeira saindo do ralo. Saiu tanta sujeira e vômito de Ash que a banheira entupiu. E Ashley levou a maior comida do mundo por entupir o encanamento da casa de Terri com vômito. O nosso banho não estava garantido naquele sábado, mas as risadas se garantiram por pelo menos uma semana.

*Isla Vista é uma comunidade de universitários em Santa Barbara, na Califórnia.

2 thoughts on “18. Ashley, a coreana santa que virou porra louca

  1. HAHAHA, vei, eu ri muito! Adoro o blog, e a maneira que você fala das pessoas que passaram por sua vida. Dá um livro! Aline, por favor, se der, faz um post contando as histórias do planejamento do seu intercâmbio?

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