47. Luisa, a amiga das melhores bebedeiras


Depois do 3º shot de tequila, eu sabia que era hora de parar.
Ou pelo menos deixar de lado as bebidas mais pesadas, que não têm aquele efeito de “suquinho gostoso” no corpo. Peguei então uma lata de Budweiser na geladeira do apê na Rua Embarcanero Del Mar e passei muito tempo com aquilo na mão, sem nem beber. Era sexta à noite e, no domingo, a Nancy, amiga de faculdade da Reiko, embarcaria para a Irlanda para passar o chamado ‘gap year’, um ano que eu, particularmente, defino como “momento para fazer tudo o que você sempre quis fazer antes de virar um adulto de verdade”. Pra se despedir, os amigos mais próximos dela, que eram pelo menos uns 40, deram uma festinha e convidaram todo mundo (mesmo!). O ambiente não era dos muito normais, tenho que dizer. O hall do prédio mais parecia um ponto de drogas. Várias motos com caras mal-encarados na porta. Lá dentro, todas as meninas estavam ‘nas nuvens com diamantes’ demais e os caras dançavam sem passo específico, em círculo e gritando. Foi nesse contexto que a Luisa sentou num sofá de canto na sala, tirou seu Redbull de 473mL da sacolinha e começou a bebericar. Ficou em paz, mas não por muito tempo. Um dos caras que dançava com os amigos, sentou ao seu lado, puxou papo e pediu vários goles da bebida. Depois, para agradecer, a ofereceu heroína. É, assim, do nada.

– “O que você disse quando ele falou que tinha heroína?”, perguntei para a Luisa quando ela voltou pra perto da gente com os olhos esbugalhados demais.

– “Disse ‘não, obrigada’ e saí de perto. O cara bebeu meu Redbull, porra!”, respondeu a Luisa, indignada por perder a bebida para um drogadinho xavequeiro, enquanto eu gargalhava.

Naquela noite, deixamos o apê da Nancy para “explorar” outras festas na cidade. A rua, um pouco esburacada, estava escura e só em algumas vielas é que tinham focos de luz. Eu caminhava na frente, um pouco alterada, quando ouvi o Raul, nosso amigo, gritar e rir sem parar.

– “Cara, a Luisa tá entrando na geladeira”!

Olhei pra trás sem entender nada.

– “Que geladeira, porra? Tão bem loucos voc…”, eu pensei. Mas lá estava ela, entrando bem feliz em uma geladeira que encontrou no meio da rua. Sim, uma geladeira no meio da rua. A cena era tão “Last Friday Night” que quase nos mijamos na calça de tanto rir.

A Luisa eu conheci poucos dias antes de embarcar para a Califórnia. Foi um daqueles esquemas que as agências fazem para aproximar pessoas que passarão muito tempo juntas em alguma cidade, sabe? A Luisa era loira e estilosa. Era carioca, tinha 18 anos e a personalidade bem diferente da minha, o que pode ter atrapalhado a nossa aproximação nos primeiros dias.

– “E você me ignorou no começo! Nem falava comigo”, reclamava a Luisa toda vez que a gente se metia em alguma cagada juntas e percebia o quanto isso nos deixava mais próximas.

No começo, a Luisa falava pouco inglês, mas com o tempo foi pegando as palavras principais do nosso dia-a-dia: “party”, “liquor store”, “beerpong”, “beach”, “bitch” e “swiss guys”. Aliás, era pelo Lukas, um suíço de olhos azuis lindos, que a Luisa tinha uma quedinha. Sempre prendia a respiração quando ele se sentava com a gente e só soltava quando ele ia embora. Ria, gargalhava e gritava “puta que pariu esse suíço”. E o Lukas realmente era uma graça, mas não parecia muito animado com a quantidade de garotas que babavam por ele.

A Luisa, por sua vez, também chamava atenção por onde passava, mas poucos caras tinham coragem de chegar. Eu costumava dizer que ela os intimidava. “Você tá sempre bem arrumada, linda, maquiada e perfumada demais. A gente tá numa cidade de praia, bota o chinelo, vai de all star para as festas”, eu dizia. E ela seguiu a recomendação algumas vezes. Acho que deu certo.

A Luisa era uma dessas garotas que fazia de tudo para se divertir com  os amigos. Já tinha ido para Vegas, mas quando eu disse que aquela seria a minha pela 1ª vez,  ela embarcou na viagem de novo – e sem pensar duas vezes. Na sexta, nossa primeira noite na cidade, passamos o maior perrengue juntas. Nosso amigo, o Gabriel, levou uma tampinha de garrafa no olho e achou que ficaria cego. Fez o maior escândalo e, por isso,  passamos 5 horas no hospital com ele. No sábado,  fizemos compras, bebemos várias piñas coladas durante o dia e, à noite, queríamos mais. Do nosso quarto na Las Vegas Boulevard, vimos a piscina do hotel vazia e corremos escadaria abaixo para tentar relaxar. Todos os amigos do curso fizeram o mesmo quando nos viram: trouxeram cervejas para a beira da piscina e ficamos ali, das 11 da noite até às 4 da manhã, numa espécie de lual no concreto. Foi nesse mesmo dia que, sem querer, deixei a câmera da Luisa cair na jacuzzi. A água secou na lente e, a partir daquele dia, todas as fotos que a gente tirava ficavam com uma bola embaçada bem no meio. Triste, mas as imagens seguintes ao “acidente” nos transbordam de recordações engraçadas.

Divertido só não foi a minha viagem com a Luisa para San Francisco. Aquele foi o dia em que eu vi a minha amiga mais desesperada na vida. Explico: foram 9 horas de ônibus parando por todas as cidades no caminho. Quando chegamos no terminal, quase 1 da manhã, parecíamos em “The Walking Dead”. Os mendigos têm cara de zumbi naquela cidade. Não tinha transporte, não tinha táxi, não tinha como chegarmos ao hotel. Foram minutos apavorantes até resolvermos a situação.

A Luisa e eu já nos vimos algumas vezes desde a “volta”. E toda vez que a gente se encontra, lembramos da mesma coisa: o dia que ela se embebedou demais numa festa, desapareceu do lugar e, na madrugada, foi encontrada dormindo dentro de uma banheira.

Hoje a Luisa não é mais loira – e sim ruiva. Eu ainda não vi o novo visual “ao vivo”. Tomara que veja no mês que vem.

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